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segunda-feira, março 29, 2010

Injustiça: as bases sociais da obediência e da revolta.

MOORE, JR. Barrington. Injustiça: as bases sociais da obediência e da revolta. São Paulo: Brasiliense, 1987.

1.     Elementos recorrentes em códigos morais

“As normas sociais e sua violação são componentes cruciais na ira moral e no sentido de injustiça. [¼] Um indivíduo pode estar irado porque sente que a norma vigente é ela própria errada, e que é preciso implantar outra. [¼] Na vida real tais situações assumem, com freqüência, a forma de desacordos sobre o que a norma é realmente. [¼] Sem normas a governar a conduta social não haveria um fato como a indignação moral ou um sentido de injustiça. Da mesma maneira, a consciência da injustiça social seria impossível se os seres humanos pudessem ser convencidos a aceitar toda e qualquer norma[fim da pág. 21].
Não se pode observar algo como a natureza humana pura ou inata, ou biologicamente determinada, não contaminada por influências sociais, ou que qualquer um desses comportamentos fosse relevante para compreender sentimentos de injustiça social ou indignação moral [fim da pág. 22].

Coisas que são injuriosas aos seres humanos:
Necessidades não atendidas;
Falta de amor e respeito e também de distinção. O autor suspeita que o desejo de distinção é universal, pois em muitas culturas existem formas de “invejaroutros seres humanos, enquanto em outras essa cobiça é condenada ou mesmo tenta-se suprimi-la. Moore Jr. destaca também o enfado [fim da pág. 23].
A inibição da agressão contra perigos (naturais ou humanos), pois a pessoa inibida torna-se potencialmente uma vítima. Ele coloca a agressão como uma capacidade humana que entra em ação de formas variadas e em circunstâncias bem específicas, com conseqüências diversas, colocando as causas sociais como muito mais capazes de explicar essa agressividade do que as causas biológicas.
Ele coloca como hipótese de trabalho “uma concepção de natureza humana inata, no sentido de anterior a quaisquer influências sociais mas não necessariamente imune a elas, para a qual não somente as privações físicas são nocivas, como também as psíquicas: especificamente, a ausência de respostas humanas favoráveis, o enfado [ou tédio] e a inibição de agressões”. [¼] Ao lado da satisfação das necessidades físicas, poderíamos dizer que os seres humanos buscam algum grau de variedade e desafio em suas vidas, respostas favoráveis (inclusive a distinção) em relação a seus semelhantes, e oportunidades para a descarga da agressão, uma capacidade humana que, se não é instintiva, é despertada por uma tal variedade de frustrações que está destinada a encontrar expressão seja como for” [fim da pág. 24 e início da 25].
Moore Jr. afirma que não há possibilidade de existirem indivíduos completamentesadios” e ainda haver sociedade, concluindo então que alguns aspectos da sociedade visariam prejudicar alguns indivíduos [fim da pág.25].
Necessidades” e “imperativos sociais”  contém três elementos essenciais:
1.       Noção de causalidade com a ordem temporal comum invertida – algo desagradável vai ocorrer no futuro se a necessidade não for atendida;
2.       Uma forma de atender uma necessidade pode satisfazer mais a um grupo na sociedade do que a outro. “Ambos provavelmente reivindicarão que a sua forma atende à necessidadereal’ da sociedade em seu conjuntoforma mais comum de distorção ideológica”.
3.       julgamento ético sobre o que causará mais ou menos sofrimento a parcelas maiores da população [fim da pág. 28].
Ele [CB1] afirma que “as pessoas que vivem em qualquer sociedade devem resolver os problemas da autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição de bens e serviços. Em parte, elas o fazem formulando toscos princípios de desigualdade social e ensinando umas às outras, com graus amplamente variáveis de sucesso, a aceitar e obedecer tais princípios. Ao concordarem, elas criam um contrato social implícito e, às vezes, explícito. O medo, a força e a fraude não são as únicas bases de toda sociedade humana, ainda que seu papel tenha sido decisivo através da história conhecida da espécie. Elas são combinações tanto de coerção quanto de troca[fim da pág.29].
Em todas as sociedades conhecidas até nas ditas sociedades simples existem formas, mesmo que rudimentares, e princípios de desigualdade social, que aparecem, por exemplo, na divisão do trabalho por sexo [fim da pág.30].
Existem algumas armadilhas analíticas do termo sociedade, para maior esclarecimento ele utiliza o termo no seguinte sentido:
“o termo sociedade diz respeito ao corpo mais amplo de habitantes num território específico que tem um sentido de identidade comum, vive sob um conjunto de arranjos sociais distintos e o faz , na maior parte do tempo, em um nível de conflito que exclui a guerra civil”. [fim da pág.31]
Moore Jr. procura mostrar que tanto as normas sociais quanto a ira que elas despertam têm uma origem dual: tanto da natureza humana inata quanto da dinâmica social. Chama a atenção de como essa “natureza humana” parece ser flexível, pois o homem tem grande capacidade de suportar o sofrimento, o abuso, por mais trágico que seja, e é essa capacidade que cria os temas, pois “a resposta ao abuso é algo imensamente maior que o simples reflexo[fim da pág.32].
A partir disso surge a indagação sobre quais são as condições dentro das quais o homem para de se conformar ao mau-trato.
Ele propõe um conjunto de critérios que identifiquem situações universais em potencial que geram uma resposta da ira moral e de um sentido de injustiça social:
que a situação crie indignação na cultura ocidental moderna;
que também produza uma resposta de indignação moral em algumas sociedades não-ocidentais, inclusive nas sociedades iletradas;
que, em uma situação em que esperaríamos, por diversas razões, uma resposta moralmente indignada, mas que falhamos em encontra-la (por exemplo, uma variação cruel da escravidão), devamos encontrar mecanismos sociais e psicológicos que tirem vantagem da plasticidade da natureza humana visando inibir a ira e a indignação [fim da pág.35].

1.1      Autoridade e desafio da autoridade

A autoridade é necessária para coordenar as atividades de um grande número de pessoas e se estende a todas as esferas da vida social, sendo empregada em todas as sociedades conhecidas, mesmo naquelas onde não há a figura do chefe.
Porém, ela não é a única forma utilizada para produzir a sociedade. Existe também a mera coerção, que se distingue da autoridade pela falta de dever moral de obediência. É rara em sua forma pura e, assim como a autoridade, depende de um senso de dever por parte de quem obedece.
Outra forma que também produz sociedade é a instituição de mercado, principalmente na atualidade, coordena a produção e a distribuição de bens e serviços entre um número ilimitado de pessoas que não têm entre si a menor relação direta. Moore Jr. afirma que os resultados dessa coordenação são quase sempre moralmente abusivos, principalmente para os grupos recém-introduzidos nas suas relações.
E finalmente há o costume que faz com que um grupo limitado de pessoas formule normas para si próprios e que vivem mais ou menos de acordo com elas. “A regularidade e a ordem porventura existentes em tal comportamento provêm da sanção e da vigilância mútuas, sem que nenhuma pessoa ou grupo conquiste suficiente vantagem, a ponto de ser capaz de dominar ou controlar os outros[fim da pág.36].
O contrato social implícito é um traço fundamental na tentativa de explicar idéias e comportamentos recorrentes sobre o abuso de autoridade.  
“Os homens podem conseguir viver em sociedades desprovidas de qualquer coisa que possamos reconhecer como autoridade política. Mesmo naquelas que possuem autoridade política, é impossível recorrer a ela a não ser em uma parcela de atritos e disputas que são parte da vida cotidiana, onde quer que existam seres humanos vivendo em comum. [¼] Até um certo ponto, é possível mantê-las dentro de limites, por meio de uma variedade de artifícios sociais, como a repreensão, o opróbrio ou o isolamento temporário das pessoas que ameacem tornar-se destrutivas”. Por outro lado, em uma grande quantidade de sociedades, mesmo existindo paz e ordem, elas são bem precárias. A ira pode fazer com que um indivíduo ou um grupo deles mate outras pessoas e provavelmente terá como resultado o desejo de vingança [fim da pág.37]. Este desejo, reprimido ou elaborado, tem amplos exemplos na história humana e significa retaliação. “Também significa uma reafirmação da dignidade e do valor humanos após a injúria ou o danoque são sentimentos subjacentes à ira moral e ao sentimento de injustiça. Ela iguala as coisas, embora nunca funcione completamente. No exemplo mais clássico de vingança, a rixa entre famílias, a inimizade tradicional se perpetua “porque nãoautoridade para eliminá-las e para fornecer outras soluções ao problema da ordem social”.
“A autoridade é um reflexo do fato [¼] de que a sociedade humana é, em parte, um conjunto de arranjos através dos quais alguns homens procuram extrair um excedente econômico de outros, transformando-o em cultura. A autoridade é também um reflexo do fato de que a extração de um excedente não é tudo o que acontece nas sociedades humanas e não é a única fonte de cultura. A autoridade implica a obediência com base em algo mais que o temor e a coerção[fim da pág.38].
Teorias sobre o contrato social, embora desacreditadas contemporaneamente nas ciências sociais, contêm algo relevante: “em qualquer sociedade estratificada [¼], existe um conjunto de limites sobre aquilo que tanto os governantes como os súditos, os grupos dominantes e os subordinados, podem fazer. Há também um conjunto de obrigações mútuas que mantém unidos os dois grupos”. Estes limites não são necessariamente formalmente redigidos.
Existe uma constante sondagem e negociação entre os dominantes e os subordinados para descobrir o que eles podem efetuar impunemente, para testar e descobrir os limites da obediência e da desobediência. Esses limites não estão perfeitamente estabelecidos e claros, embora possa se prever com uma margem razoável onde eles se localizam. Esses limites podem se reduzir ou se estender dependendo se a sociedade em questão for mais ou menos estável. Mas eles existem ou não existiria sociedade [fim da pág.39].
Os sistemas de autoridade em um grande número de sociedades geralmente especificam a razão pela qual uma pessoa detém autoridade e como elas a obtém. Freqüentemente existe algum tipo de cerimônia para significar que a pessoa ingressa nesse status. A violação dos procedimentos nesse processo de escolha provavelmente gerará a ira.
Existem certas obrigações mútuas que ligam os governantes e os governados, os que detém a autoridade e os que se sujeitam a ela, ou seja, cada uma das partes devem realizar determinadas obrigações e tarefas e o fracasso em seu desempenho é o fundamento para que a outra se recuse a executar a sua. “Cada parte encontra, na alegada incapacidade da outra para desempenhar adequadamente a sua função, a justificação e o suporte morais para seu próprio senso de indignação e ira[fim da pág.42].
Estas obrigações dos governantes se dividem em três partes diferenciáveis, mas correlacionadas:
1.       A pessoa que detém a autoridade deve proteger, por isso ela deve ter traços culturais comuns para que seus subordinados possam se identificar com ela;
2.       Manter a paz e a ordem;
3.       Comportar-se de forma a contribuir com a segurança material.

[A partir daqui o fichamento será literal, com supressão de alguns trechos]



“Assim, a contribuição que se espera do governante desce à segurança: segurança contra a depredação, contra as ameaças naturais, sobrenaturais e humanas ao supri­mento de alimentos e a outros suportes materiais da vida cotidiana costumeira. Em troca, as obrigações do súdito são a obediência às ordens que sirvam a tais fins, as contribui­ções à defesa comum (exceto naquelas poucas sociedades onde a guerra é desconhecida) e a colaboração material para o apoio aos governantes que, de um modo geral, não se engajam diretamente na produção econômica. Por úl­timo, espera-se comumente dos súditos que façam alguma contribuição através de seus próprios arranjos sociais para a manutenção da paz”.
Porém, “é útil observar que, para muitos indivíduos, especial­mente aqueles situados na base da pirâmide das sociedades estratificadas, a ordem social é uma coisa boa em si mesma, e por esta eles sacrificariam freqüentemente outros valores. Eles detestam a interferência violenta e caprichosa em suas vidas cotidianas, venha esta de bandidos, fanáticos políticos ou religiosos e agentes do poder. As pessoas em geral apoiarão, ainda que parcialmente atemorizadas, um líder que prometa paz.e ordem, especialmente quando ele possa fazê-lo com algum colorido de legitimidade, conforme definida naquele tempo e lugar.13 [fim da pág.45]
[¼]
Onde não se encontra a ira moral na quebra desse contrato social, encontram-se mecanismos repressivos em operação.
“os sentimentos populares não são inclinados a sustentar governantes com estrita responsabilidade. Quando mais não seja, há uma tendência perceptível a ver com maus olhos e a desconfiar da autoridade que governa excessivamente de acordo com as regras. A imagem positiva da autoridade é mais [fim da pág.46] provavelmente a da figura paterna ríspida e severa, cujos raros acessos de fúria revelam seu poder de nos proteger e intimidar ‘nossos’ inimigos, mas cujas fraquezas também acenam com alguma perspectiva de remissão para ‘nossas’ transgressões”.
A raiz dessa concepção paternalista de autoridade e a fonte de sua freqüente recorrência repousam provavelmente na experiência de infância. [¼] Hoje em dia, a autoridade do patrão sobre o empregado é cada vez mais confinada estritamente às horas de trabalho e ao comportamento relacionado ao trabalho; em muitos casos, tal autoridade produz a indignação moral quando se estende ao corte de cabelo, ao modo de vestir (que pode refletir uma intromissão da sexualidade na esfera formalmente dessexualizada das relações de trabalho) e, obviamente, à cor da pele e às crenças religiosas. Todavia, esta tendência racionalista e individualista em direção à autonomia pessoal se defronta com poderosos impulsos derivados da experiência da infância, a demanda de autoridade completamente envolvente e da segurança que esta autoridade supostamente [fim da pág.47] provê. Se tal demanda de uma autoridade difusa e paterna­lista origina-se da experiência da infância, isso ajudaria a explicar por que é amiúde tão terrivelmente difícil para os seres humanos acreditar que a autoridade vigente é intrinsecamente cruel e maligna, como no exemplo de Jó ou do comportamento de muitas vítimas do terror stalinista. Há com certeza considerável variação nesses fatos, que não pode ser explicada em sua totalidade pelas diferentes experiências infantis. Para o momento, devemos apenas ter em devida conta uma tendência humana generalizada para interpretar as cláusulas do contrato social implícito, em benefício dos governantes, bem como algumas das razões dessa tendência.
“[¼] A obediência implica o controle dos impulsos e é uma hipótese de trabalho razoável que o controle dos impulsos sempre envolva algum grau de desagrado e, em casos mais severos, uma dor real. E uma previsão segura que formas menos importantes de subversão podem ser encontradas nas formas mais plácidas de autoridade humana. A situação geral se refere àquela em que existem limites à autoridade, além dos quais os atos da autoridade parecem caprichosos, opressivos e in­justos. As atitudes populares face à autoridade são compreensivelmente carregadas de ambivalência e em muitas culturas (não em todas), há evidências no sentido de uma poderosa tendência oculta de igualitarismo, resistência e suspeita diante de todas as formas de subordinação de um homem a outro”. [fim da pág.48]
“Podemos tratar agora de violações específicas do contrato social. As negligências no dever de proteção por parte das autoridades constituem um caso óbvio e não devem de­ter-nos por mais tempo. A traição por parte dos súditos é uma outra violação, e pode ocorrer sob qualquer forma de conflito, dos atos diretamente militares à ‘sedição’ dos líderes sindicais — suposta ou real — nos conflitos econômi­cos modernos. Quando severa, e há certamente todo tipo de gradações, a penalidade para o governante é a privação do direito de governar e, para o súdito, dos direitos de participação na sociedade [¼]. De modo mais geral, os governantes que não podem proteger a sua própria sociedade, cujos in­sucessos na guerra os desacreditam, são passíveis de privação do direito de governar. Em várias ocasiões os reveses militares ou a simples incompetência militar constituíram o prelúdio de irrupções revolucionárias.
[¼] [fim da pág.49]
“[¼] O ponto a ser destacado é que, apesar de uma ampla gama no grau de sensibilidade, toda cultura parece dispor de alguma definição de crueldade arbitrária por par­te dos detentores da autoridade”.
“O emprego indevido dos instrumentos de violência dos governantes contra os seus próprios súditos é uma violação extrema da obrigação de manter a paz”. [¼] “Uma tarefa normal de um chefe de seção na indústria, um oficial não-comissionado nos serviços militares ou um administrador em qualquer hierarquia burocrática é pôr em ordem os desacordos e atritos entre os subordinados. De modo mais geral, o direito de intervir em disputas é uma das prerrogativas da autoridade mais avidamente ansiadas e mais zelosamente mantidas, seja no que tange à burocracia, seja de outra maneira”.
Há uma tendência nos que detêm a autoridade para distorcer tal processo em benefício próprio, e uma propensão correspondente por parte dos súditos a resistir, evadir-se ou se opor à autoridade. [¼] [fim da pág.50] “O tema comum nas concepções de tratamento in­justo, eu sugiro, é a violação da reciprocidade. A autoridade obtém uma vantagem, causa dano ao indivíduo, sem qualquer justificativa real em termos de ganhos para a sociedade em seu conjunto. [¼]
Uma violação similar ocorre quando os governantes impõem severas privações materiais à população, com propósitos que esta não aceita, geralmente porque tais propósitos estão distantes de sua própria maneira de viver e de seus interesses. [¼]
[fim da pág.51]

[¼]
“A marca da universalidade vem do fato de que é provável que qualquer parcela de súditos tenha certas idéias sobre as tarefas e obrigações próprias dos governantes, bem como os propósitos adequados da autoridade, cuja flagrante violação produziria um sentimento de indignação moral e in­justiça”.
“Um comentário complementar sobre as atitudes populares face a uma forma especial de malversação de recursos: o suborno. O dicionário define suborno como um presente ou promessa de recompensa, a fim de corromper o julga­mento ou a conduta. Como tal, ele provavelmente existe em todas as sociedades humanas, incluindo as não letradas, que não dispõem de instituições políticas, uma vez que to­das aquelas têm normas morais cuja existência implica algum ponto na administração de julgamento contra a contade de um membro da sociedade. [¼] O suborno é uma forma moralmente desaprovada de reconciliar a força irresistível da vontade de “X’, com o ob­-[fim da pág.52] jeto inamovível da recusa de “Y” a tal vontade. Na fórmula apresentada, o “X” e o “Y” podem valer, seja para os governantes, seja para os governados. [¼] No mundo em geral os governos razoavelmente honestos constituem inovação histórica relativamente recente. Assim, embora as atitudes morais quanto ao suborno e aos que participam dele variem amplamente no tempo e no espaço (tanto do ponto de vista social como geográfico) parece haver um núcleo comum de atitudes negativas diante dele”.
“[¼] Os seres humanos têm comumente o sentimento de que certas formas de punição são injustas? Podemos definir uma punição injusta como sendo aquela que suscita reação imediata, seja porque ela é imerecida, seja porque é excessivamente severa ou cruel, ou por alguma combinação das duas razões. [¼]”.
 [fim da pág.53]

Existe uma “estreita relação entre uma concepção específica de humanidade e a condenação à injustiça de certas formas de punição, condenação que, se violada, produz a indignação moral. Nessa sociedade há certas punições que não se deve infligir a outro ser humano por serem demasiado dolorosas e degradantes”.
[fim da pág.54]

“[¼] As punições descartadas variam de acordo com as distintas concepções de humanidade. Em muitas sociedades com sistemas de classe e de casta, existem sistemas codificados de punição apropriados a cada casta ou classe, porque cada nível é visto como representando um grau ou forma diferente de humanidade. Em geral, quanto menos ‘humana’ a vítima, mais cruel e dolorosa a punição justificável. [¼] Esses códigos também regulamentam e punem o comportamento agressivo entre indivíduos de estratos diferentes, infligindo pesados castigos aos membros dos estratos mais baixos e penalidades leves para o contrário”. [¼]
“As razões para a variação das definições sociais do que é e não é humano, e para as numerosas gradações entre uma e outra, são demasiado complexas e sofrivelmente compreendidas para que se tente revelá-las. Ê suficiente sugerir que a maioria — talvez, todas as sociedades humanas – possui alguma definição que reflete a sua ordem social [fim da pág.55] particular e que o caráter dessa definição estabelece limites às formas e especialmente à severidade da punição que os membros de tal sociedade sustentam ser moralmente adequados. Mais uma vez, é necessário salientar que os limites são passíveis de superação, e que, numa sociedade ampla, mais de uma definição pode existir. Não obstante, a transgressão desses limites provavelmente produzirá uma reação de indignação moral e um sentido de injustiça”.
“Saber se uma punição particular é merecida ou imerecida não é a mesma coisa que saber se ela é ou não cruel, desumana ou excessiva, embora os ocidentais modernos provavelmente aplicassem o termo injusto em ambas as instâncias. As pessoas sujeitas à autoridade podem aceitar uma determinada lei e acreditar que a punição por sua violação é merecida enquanto, ao mesmo tempo, encaram uma forma específica de punição como algo que um ser humano não deveria infligir a outro. Ou então, podem rejeitar a própria lei”.
Nesse caso distingue-se duas formas básicas da última situação:
1.       “Ou a autoridade impõe punição à violação de uma lei ou norma que é aceita pelos que estão sujeitos à autoridade;”
2.       “Ou ela impõe punição de acordo com uma lei que não é mais totalmente aceita pelos súditos”.
Ambas as situações fazem parte da constante negociação e comprovação do contrato social implícito ou explicito, que acontece onde quer que exista autoridade. “Uma vez que os detentores da autoridade raramente podem controlar todos os aspectos da maneira como uma tarefa é cumprida, os subordinados elaboram suas próprias práticas que, com o passar do tempo, adquirem a autoridade moral do precedente. Um desafio à autoridade moral do precedente, às formas costumeiras de comportamento que os subordinados criaram para proteger seus próprios interesses vis-à-vis dos superiores, bem como a integridade de seu próprio grupo social, produziram geralmente uma reação de indignação moral”. [¼] [fim da pág.56]
“[¼] Para o momento, é suficiente sugerir que, na ausência de mecanismos contrários, - completamente poderosos, ocorrerá uma reação que pode­mos reconhecer como sendo um julgamento de injustiça social sempre que uma punição (1) viole a concepção predominante do que é ou deve ser um ser humano; (2) viole uma — lei ou norma aceita pelos súditos da autoridade que inflige a punição; ou, ao contrário, (3) tenha lugar de acordo com uma lei ou norma que os súditos da autoridade passaram a ver como não mais válida ou efetiva. Se o raciocínio que acabamos de esboçar estiver correto, podemos concluir que toda sociedade humana dispõe realmente de uma concepção de punição injusta e de um modo específico de decidir por que a punição é injusta”.

1.1.1      A divisão do trabalho


“Toda sociedade humana conhecida apresenta uma divisão do trabalho. Em algumas sociedades não letradas a divisão é basicamente entre os sexos, com muito pouca especialização ao longo das linhas ocupacionais”. [¼] Pode-se tomar como proposição segura de análise que não existe sociedade humana em que a divisão do trabalho seja  completamente satisfatória para todos os seus membros. [fim da pág.57] [¼].
“Tal contrato social serve para regulamentar um conflito inerente e inevitável, cuja intensidade, entretanto, varia amplamente no tempo e no espaço. Trata-se de um conflito entre (1) as exigências e demandas do trabalhador individual ou da unidade familiar com relação à alimentação, à vestimenta, ao abrigo e à participação nas amenidades e prazeres da vida; (2) as necessidades da sociedade em seu conjunto; (3) as demandas e exigências dos grupos ou indivíduos dominantes.”
“Não existe apenas um conflito de interesses entre o indivíduo e as exigências da ordem social adicionadas às da classe dominante. Há também um certo grau de harmonia, sem o que é improvável que o contrato social funcione. Com efeito, alguns dos instrumentos sociais mais eficazes são aqueles através dos quais a sociedade mais ampla procura fazer com que os indivíduos moldem e definam seus próprios interesses de tal maneira que se tornem congruentes com a ordem social; que aceitem com prazer sua parte na barganha do contrato social, quando as compensações diretamente materiais são muito frágeis”.
[¼]
 [fim da pág.59]
“[¼] O que há de comum em todas essas funções positivamente valorizadas é, em primeiro lugar, o controle — primordial, mas não exclusivamente, das atividades de outros seres humanos — e, em menor extensão, as capacidades, sobretudo as mentais”.
“As tarefas e funções sociais negativamente avaliadas diferem dessas no sentido em que envolvem (1) ausência de controle sobre outros seres humanos e, no lugar dele, subordinação; (2) ausência de habilidades, exceto as capacidades manuais mais rudimentares e fáceis de adquirir; (3) trabalho árduo, ou seja, repetitivo e, portanto, desinteressante, além de fisicamente penoso; (4) em vários casos, trabalho que exige contato com excremento, podridão, sujeira e morte. Para uma pessoa de condição social elevada, o desempenho de tais funções constitui geralmente uma tarefa degradante ou um violento insulto. Unicamente quando a punição é considerada justa — em outras palavras, quando essa pessoa já sofreu degradação e aceita a responsabilidade pelo ato que a provocou — não ocorrerá a provável manifestação de alguma forma de indignação moral, de ofendida aretê (ou sentido inato da excelência própria)”. [¼] E as pessoas inferiores, elas têm sua própria versão de aretê?
“Considero que a ira, ou ao menos o descontentamento, está aí latente, quando não francamente manifesta, podendo assim ser apresentada tal hipótese. Nas avaliações negativas (e positivas) das diferentes tarefas é possível supor um reflexo da natureza humana inata: que ninguém realmente deseje executar tais tarefas, que essas funções constituam uma violação de algum sentido inato que os seres humanos possuem com relação ao que pretendem ser. O motivo central de tal suspeita é que os seres humanos geralmente evitam essas funções, quando podem, e apenas as desempenham sob alguma forma de compulsão. Ao mesmo tempo, tais funções têm sido ‘socialmente necessárias’, [fim da pág.60] numa extensa série de sociedades e não houve o mínimo grau de concordância ‘voluntária’”. [¼]
Dois outros aspectos da divisão do trabalho são capazes de despertar a indignação moral e um sentido de injustiça social. Eles parecem ser universais, ou quase isso: trata-se das concepções de propriedade e das sanções aos indolentes. Em toda sociedade, é necessário que haja algum tipo de relação entre os seres humanos, com o fim de regular o seu acesso e uso dos meios de produção, isto é, a terra e outros recursos naturais, além dos instrumentos ou outros meios físicos de trabalho[1]. Parece certo que nenhuma das relações até hoje criadas foi completamente satisfatória para todas as pessoas envolvidas, e que algum grau de conflito sempre esteve presente em todas elas. Por sua vez, a viola-[fim da pág.61]ção de tais relações será provavelmente considerada injusta, despertando a ira e a indignação por parte dos grupos atingidos. Um ataque a esta relação entre os seres humanos e os meios de produção constitui um ataque à pessoa, seja ela um indivíduo ou uma entidade coletiva, como a corporação capitalista e o Estado socialista. O Estado socialista é, na realidade, um ardente e primitivo defensor da propriedade  vale dizer, a propriedade socialista.
Se limitarmos nossa atenção às classes inferiores, que obviamente possuem menores direitos de propriedade que as elites [¼], encontraremos com bastante freqüência a noção de que todo indivíduo deve ter direitos de propriedade ‘suficientes’ para que desempenhe um papel ‘decente’ na sociedade. Tanto ‘suficientes’ como ‘decente’ são definidos em termos tradicionais”, ou seja de sustentar uma família e possibilitar a seu chefe que desempenhe um papel respeitável na comunidade. [¼] “Sempre que uma expansão nas relações comerciais ameaçou esse tipo de independência, isso resultou num irado senso de injustiça, em geral voltado contra os responsáveis. [¼] Ë importante compreender que essa ira tem implicações maiores do que o interesse diretamente material. Essas pessoas estão moralmente indignadas porque sentem que todo o seu modo de vida enfrenta um ataque desleal. É desnecessário acrescentar que tal forma de indignação moral nem sempre é politicamente eficaz. Com bastante freqüência ela se esgota em fútil desespero, com ou sem elementos de ira”.
“Em todas as culturas, provavelmente, o preguiçoso e o [fim da pág.62] parasita confirmados, o indivíduo que se recusa a fazer sua parte nas tarefas comuns e que vive à custa do trabalho dos outros, constitui um modelo social negativo, se essa pessoa é pobre. [¼] A pessoa que é privada de sua propriedade por forças sociais impessoais é amiúde a mais ávida por aplicar severas sanções sociais contra os indolentes, ainda que tanto um como outro possam estar sofrendo o ataque do mesmo conjunto de forças sociais impessoais. [¼] Associada à riqueza, ao contrário, a indolência pode ser um objeto de inveja ou de moderada derrisão, quando não é simplesmente ignorada”.
[fim da pág.63]

Essa hostilidade geral ao indolente não refuta a tese de que comumente os homens não gostam do trabalho. Em vez disso, ela reflete a necessidade universal de trabalhar, que caracterizou até agora a sociedade humana, e as maneiras pelas quais essa necessidade tem sido interiorizada até tornar-se parte da personalidade moral na maioria dos indivíduos. Uma das fontes mais poderosas de indignação moral é ver alguém escapar impunemente, ao desrespeitar uma regra moral que as pessoas fizeram dolorosos esforços para torná-la uma parte de seu próprio caráter.

1.1.2      A distribuição de bens e serviços: as permutações de igualdade


“Em todas as sociedades, os métodos vigentes para a alocação de recursos, bem e serviços entre os seus membros estão intimamente relacionados à divisão do trabalho e aos métodos de produção predominantes”. [fim da pág.64] [¼]
“Com relação aos sistemas de distribuição, pode-se geralmente apresentar evidências que corroborem a existência dos dois princípios contraditórios que examinamos em conexão com a divisão do trabalho.. Um deles é a noção geral de igualdade baseada no que a unidade de consumo necessita: uma idéia de que toda pessoa ou família deve receber o ‘suficiente’. O outro, é um princípio de desigualdade baseado em algum escalonamento do valor das diferentes tarefas e funções sociais. As tentativas de reconciliá-los assumem a forma de noções de justiça distributiva nas quais a recompensa extraordinária provém do investimento extra de esforço, habilidade ou alguma outra qualidade que o desempenho da tarefa requeira. Assim, ao final, alguma concepção de igualdade, de equalização das coisas, acaba por prevalecer [¼]”.
As idéias e práticas igualitárias são passíveis de florescer em situações onde o suprimento é precário, e qualquer indivíduo está sujeito a enfrentar a escassez imprevisível. [fim da pág.65] [¼]
“A igualdade faz bastante sentido como forma de seguro para o grupo. [¼] e exibe semelhanças com um conjunto bastante difundido de crenças e práticas que podemos convenientemente agrupar sob o rótulo de ‘o tabu do cão na manjedoura’”[2]. Esse tabu tem como essência a crença de que a retenção pessoal ou privada, sem utilização, de recursos cujo suprimento é escasso, e dos quais outros necessitam, é de algum modo imoral, sendo[fim da pág.66] uma violação dos mais elevados direitos da comunidade.
“Tanto o tabu do cão na manjedoura como a regra menos difundida da igualdade como forma de um seguro social geral contra o infortúnio dependem, para serem eficazes, da possibilidade de identificação com a pessoa que está em necessidade. [¼] Neste sentido, Edmond Cahn parece correto quando salienta o significado da empatia para com o senso de injustiça indignada. O que faz do tabu do cão na manjedoura um fato tão aceito é que alguma forma de escassez é muito provável, de tempos em tempos, em quase todas as sociedades. Até mesmo indivíduos muito protegidos, pertencentes às classes dominantes, podem, em algum momento de suas vidas, sofrer essa experiência”.
 [fim da pág.67]

“Seria um erro manifesto sustentar que todas as formas de desperdício social despertem indignação moral. Existe, porém, uma variedade de formas de desperdício social por parte das classes superiores que aparentemente recebem aprovação geral. Na conhecida instituição do potlatch, há uma destruição deliberada da propriedade valiosa, com o fim de validar o elevado status”. [¼] No entanto, “o tabu do cão na manjedoura aplica-se a recursos escassos. Tal escassez é, em parte, matéria de definição social e, em parte, um fato objetivo totalmente independente da percepção social, é escusado dizer”.
“As justificações para a desigualdade geralmente repousam em alguma capacidade ou função especial que o grupo privilegiado possui e que é, supostamente. tanto escassa como valiosa para a sociedade em seu conjunto” e podem ser tanto a fabricação da chuva, o trato com os deuses e os aspectos imprevisíveis e ameaçadores do meio ambiente, ou podem assumir as formas mais difundidas da superioridade moral e mental presumivelmente adequada à classe governante. Por essas razões, o estrato dominante reivindica o direito a uma parcela mais ampla, com freqüência a parte do leão, do que a sociedade produz.Na maior parte do tempo, no que diz respeito à experiência humana, essa extração de um excedente teve [fim da pág.68] lugar sem objeção aberta. Ela é simplesmente tomada como garantida. Mas a ausência de objeção aberta não significa que a aceitação de desigualdades na distribuição seja entusiástica, ou mesmo voluntária. Há indícios de uma corrente subterrânea de resistência nas atitudes populares” [¼].
[¼] Nas sociedades não letradas espera-se da pessoa detentora de riqueza que desempenhe alguma função social útil e que seja magnânima. Eles são também tão individualistas quanto o melhor modelo de homem econômico, sendo a cooperação mantida ao mínima. “’Duas pessoas não podem trabalhar em conjunto porque têm cabeças diferentes’ é a sua justificativa para a propriedade privada. Mas uma vez que o capital foi acumulado (principalmente na forma de porcos), a obrigação social passa a ser preponderante. ‘A única justificação para tornar-se rico é o fato de estar-se apto a redistribuir a propriedade acumulada entre os camaradas menos afortunados¼’. A generosidade é o valor cultural mais elevado. Um homem que fracassa em viver de acordo com o ideal da generosidade ofende a comunidade e está sujeito ao ostracismo e ao boicote e até mesmo à morte. Em casos especialmente fla- [fim da pág.69] grantes, a obrigação de matar o infrator recai, de preferência, sobre seu filho, irmão ou primo paterno”.
Este exemplo particular mostra como um elevado grau de desigualdade pode não somente ser aceitável mas até visto como muito desejável, até onde seu resultado contribua, de alguma forma, para o bem social, conforme percebido e definido naquela sociedade. A mesma correlação aparece numa grande variedade de respostas plebéias e populares à magnificência e ostentação entre as classes dominantes, em sociedades mais nitidamente estratificadas. Quase todos os governos, e praticamente toda classe governante, incluindo as recém-introduzidas classes revolucionárias, fizeram uso do fausto e da ostentação. E um fato curioso. Tal aparato implica, na maior parte do tempo, uma afirmação ritualizada de desigualdade, de pompa, circunstância, dignidade e até, muitas vezes, de beleza: esses elementos que separam alguns homens dos outros”.
“Dois fatores parecem significativos para tornar esse aparato não somente aceitável como desejável. Em primeiro lugar, as massas têm de acreditar que as elites, cuja osten- [fim da pág.70] tação apreciam, servem a um propósito que elas aprovam. Se o propósito é aprovado, posso sugerir, então o fausto também o é. De outra forma, ocorre o contrário. Embora o aparato possa até certo ponto criar aprovação, seu poder é limitado. [¼] Tampouco pode um governo, mesmo um governo moderno, esconder os efeitos de derrotas militares sérias com desfiles de vitória e arcos de triunfo. A outra condição parece ser alguma forma de identificação vicária com a elite; as pessoas percebem o aparato como uma manifestação de grandeza e realização de sua sociedade”. Aqui é necessária cautela, pois informações confiáveis com relação ao que as pessoas comuns realmente sentem diante da ostentação em épocas anteriores à nossa são escassas, embora hajam alguns indícios. [¼]
Aí onde os governantes fracassaram em suas tarefas, principalmente na de proporcionar segurança e proteção, e onde a possibilidade de identificação com a ordem social [fim da pág.71] através dos governantes se evapora — uma situação que pode acontecer por muitas razões diferentes, incluindo, mas sem se limitar a elas, as mudanças nas relações sociais de produção — a ostentação parece despertar o máximo de ira. [¼]
Variabilidade e mudança histórica nas concepções populares do trabalho “verdadeiro”: provavelmente os elementos constantes devem compreender o trabalho manual produtivo feito para outros; por outro lado, as atitudes com relação à habilidade manual variam consideravelmente. [fim da pág.72] “O ato de governar parece compreender trabalho “verdadeiro”, do ponto de vista do súdito ou, senão trabalho verdadeiro, uma forma aceitável de atividade, na medida em que produz os resultados da segurança e da proteção”.
“[¼] os estratos superiores sempre gozam de imensas vantagens ao reivindicar o desempenho de funções socialmente necessárias. Em grande medida, são eles que definem o que é socialmente necessário. Essas alegações podem ser verdadeiras em uma época e falsas numa época posterior [¼]. Independentemente de sua veracidade ou não, elas podem gozar de aceitação ou encontrar rejeição entre os segmentos influentes de outros estratos. Uma vez que os homens aprenderam a considerar certos arranjos sociais como certos, como partes do modo de funcionamento do mundo, é-lhes evidentemente bastante difícil mudar. A satisfação emocional que a crença em uma função social específica provoca pode, por longos períodos, superar o valor verdadeiro, que, de todo modo, é sempre difícil de determinar. [¼] É  apenas quando o caráter obsoleto de um grupo dominante torna-se ruidosamente óbvio, pelo fracasso na competição com outra sociedade e cultura, que ele se torna passível de perder o seu direito legítimo de apropriação do excedente extraído da população subjacente”. [¼]
As noções populares de justiça distributiva constituem uma tentativa de resolver o conflito inerente às demandas de igualdade e desigualdade”. [¼] Regras funcionais do homem comum quanto à justiça distributiva: elas constituiriam os termos [fim da pág.73] básicos do contrato social implícito. [¼] Ele é “uma mistura curiosa de igualdade no interior da desigualdade”. “Os homens [¼] buscam um relacionamento proporcional entre o que eles investem numa tarefa e as recompensas que recebem por executá-la. A diferença entre o que eles investem e o que eles recebem denomina-se ‘lucro’, ou recompensa líquida por uma ação particular. Na medida em que as recompensas e as taxas de lucro são, grosso modo, iguais no seio de um grupo, as pessoas sentirão que estão recebendo tratamento justo. A pessoa que faz um grande investimento deve receber uma grande recompensa, enquanto a pessoa cujo investimento é pequeno não tem direito de esperar mais que uma recompensa pequena. A ira tem lugar quando as leis da justiça distributiva são violadas. O ressentimento surge facilmente quando pessoas que executam praticamente o mesmo tipo de trabalho vêem que seus colegas estão recebendo recompensas mais elevadas”.
A tese de que os homens têm uma forte inclinação para desenvolver uma tosca concepção da relação justa e proporcional entre aquilo que investem em uma tarefa e o lucro ou benefício que devem tirar de sua execução é altamente plausível. O esforço frustrado pode ser uma poderosa fonte de ira moral, [¼] [fim da pág.74]
Mesmo na sociedade ocidental moderna, a noção de justiça distributiva [CB2] pode nem sempre aparecer espontaneamente. Os internos desta instituição [instituição correcional norueguesa] recebem um tratamento bastante ameno com objetivos terapêuticos esclarecidos. [Porém], eles não gostam de sua situação. Dão vazão a seu ressentimento na forma de queixas contínuas quanto a seu tratamento em mãos da equipe de custódia. Todo modelo de crítica que possam extrair de sua experiência prévia servirá como base para reclamações, com a expectativa comumente justificada de que as reclamações encontrarão eco na equipe, sendo de alguma forma contundentes, pois a equipe partilha com os internos o mesmo conjunto de normas e valores gerais.
“Se alguns dos internos conseguem vantagem por realizar progressos rumo à reabilitação, surgirão críticas com base num modelo de igualdade absolutamente mecânico, que compara a instituição correcional, de forma desfavorável, à vida em uma prisão regular. A vida era mais justa numa prisão normal, dirá um interno, porque todos eram absolutamente iguais. Ao mesmo tempo, há queixas de que a instituição correcional não proporciona nenhuma recompensa pelas realizações, que sinais de bom comportamento [fim da pág.75] não são levados em conta. Nesta situação, um ressentimento generalizado impede a adoção de qualquer critério que poderia tornar o comportamento dos encarregados pelas recompensas e punições aparentemente justo e equânime. Seria difícil sustentar que tais aspectos estão confina­dos às prisões norueguesas”.
“[¼] as noções de justiça distributiva, mesmo quando amplamente sustentadas, não fornecem por si sós uma base para a resolução pacífica e racional de disputas relativas à distribuição do produto social. [¼]

1.1.3      Observações finais


Se existe tanta discordância com relação aos princípios de distribuição, o que ocorre com algum conceito de universais morais? Num esforço para dar sentido aos proble- [fim da pág.76]mas humanos, poderia parecer prudente abandonar toda essa linha de pensamento porque, ainda que as uniformidades existissem, elas aparentemente não poderiam servir para a apresentação de questões sérias. Quaisquer que fossem as uniformidades descobertas, seriam intelectualmente triviais. [¼] Quais são, afinal, algumas das razões para a variação e desacordo que Homans trouxe à luz de forma tão efetiva e vigorosa? Por que, por exemplo, os negros e as mulheres aceitaram colocar um valor inferior no esforço que investiram na tarefa? Quanta vontade puseram nisso? Não é preciso ser um radical da moda, para reconhecer a importância dos mecanismos repressivos e especialmente auto-repressivos [¼]. Não há razão para questionar o fato da variação. Mas os seus motivos têm um sentido significativo quanto à validade de qualquer concepção de universalidade”.
“[¼] tipos de ira moral e julgamentos sociais [¼] em uma ampla variedade de épocas e locais, a fim de observar se a evidência conforma-se a algum tipo de padrão inteligível. Existem alguns temas subjacentes, a partir dos quais seria legítimo inferir uma tendência num sentido de injustiça pan-humano?
“[¼] é possível defender a recorrência de certos problemas e temas que se originam do fato básico de que os seres humanos, com certas propensões inatas, têm de viver em conjunto, de alguma forma. Ainda que os problemas da autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição de bens e serviços difiram enormemente de uma época para outra, há suficiente similaridade reconhecível para permitir-nos falar de um padrão comum de temas. Mas, e quanto à sua resolução? Existe realmente uma gama de resoluções passível de tornar os seres humanos irados?
Há indicações de que os fracassos da autoridade em cumprir suas obrigações, expressas ou implícitas, prover segurança e avançar propósitos coletivos despertam algo que [fim da pág.77] pode ser reconhecido como ira moral frente ao tratamento injusto. A vingança aparece como motivo antes da autoridade organizada, servindo a um propósito coletivo similar. A vingança é um fato que ocorre sob a autoridade política organizada. Ela influencia a forma que a autoridade possa ter, como na demanda de punição ‘apropriada’. Alguns dos principais fracassos da autoridade são falhas no controle dos instrumentos de poder, na manutenção da paz, exigência e extorsões que se opõem ou excedem a definição vigente dos propósitos coletivos e punições que violam a noção do que são ou deveriam ser os homens. Na divisão do trabalho, encontramos indícios de que existe uma área considerável de concordância, através do tempo e do espaço, quanto ao que constitui as formas de trabalho desejáveis e indesejáveis. Ainda que fosse excessivo reivindicar que há sempre ira moral na obrigação de realizar formas desagradáveis de trabalho, a base para esse tipo de reação parece estar presente onde quer que tal tipo de trabalho exista. Em situações como essa, parece existir uma forma latente de ira moral que os mecanismos sociais e psicológicos podem reprimir ou despertar. Há, então, a indignação moral bastante difundida, com relação ao indolente, embora essa indignação também varie em considerável grau em sua intensidade. Finalmente, no ponto em que a divisão de trabalho está em intersecção com a distribuição do produto social, há indicações de um sentido generalizado de que as pessoas, mesmo os membros mais humildes da sociedade, devam ter recursos ou bens suficientes para executar seu trabalho na ordem social, e que há algo moralmente equivocado, ou mesmo indigno, quando tais recursos não estão disponíveis. [¼] Na distribuição dos recursos, produtos materiais e serviços de uma sociedade, existem princípios tanto de partilha igual como desigual. A violação de qualquer deles pode constituir uma fonte de ira moral. O [fim da pág.78] mesmo ocorre com a violação do que denominamos de tabu do cão na manjedoura. [¼]
[¼] Os homens comuns não são filósofos capacitados para extrair as implicações de princípios básicos, e esboçar conclusões consistentes. No curso da investigação sobre as formas recorrentes de ira moral e sobre o que as pessoas comuns consideram socialmente injusto, as evidências trouxeram à luz, repetidas vezes, a existência de requisitos contraditórios a serem atendidos pelos códigos morais, juntamente com sinais de fundamental ambivalência diante das regras e regulamentos sociais. Há razões perfeitamente boas para o fato dos seres humanos não poderem ter o seu quinhão e saboreá-lo. Mas não existem razões para que eles não queiram fazê-lo. Dessa maneira, é provável que haja uma corrente subterrânea de desagrado e oposição a quase todos os códigos morais, um descontentamento que é, pelo menos, uma fonte potencial de variação e mudança”.
“Podemos provisoriamente atribuir às fontes de similaridade e recorrência as semelhanças nos tipos de situações que os homens enfrentam em seus esforços raramente satisfatórios para viver em conjunto. Nossas pesquisas revelaram uma tendência das negociações sobre o contrato social a oscilar em torno de arranjos onde são intercambiados valores aproximadamente equivalentes. Por exemplo, os subordinados querem segurança e proteção, em troca da garantia de autoridade legítima para seus superiores. As fontes fundamentais de variação originam-se da forma pela qual as pessoas definem e percebem o valor daquilo com [fim da pág.79] que contribuem para uma relação social, e daquilo que ex-traem dela. Através de certos mecanismos sociais e psicológicos, nem todos derivados do fato da dominação, os homens podem ensinar-se entre si e, de forma mais significativa, ensinar-se a si próprios a atribuir um valor inferior a seu trabalho, a aceitar a dor e a degradação como moralmente justificadas e até mesmo, em certos casos, a optar pela dor e pelo sofrimento. Sociedades inteiras podem, em certas épocas, transmitir uma ética de submissão. [¼] [fim da pág.80]


2.     A autoridade moral do sofrimento e da injustiça

2.1      Considerações preliminares


[¼] no porquê de os homens e mulheres não se revoltarem. A questão central deste capítulo será: “o que precisa ocorrer aos seres humanos, a fim de fazê-los submissos à opressão e à degradação?”
O conhecimento desta questão se mostra importante, pois “a não ser que compreendamos por que as pessoas aquiescem em tais situações, é impossível entender como elas podem resistir ou como ajudá-las a resistir”. [¼] [fim da pág.81]
“[¼] Algumas vítimas dos campos de concentração identificam-se com seus torturadores. Um grande número de prisioneiros, nessa e em situações similares, mostra ressenti­mento e pune os outros prisioneiros que tentam resistir à autoridade dos guardas. Uma linha comum relaciona esses exemplos: o sofrimento e a submissão aparecem a essas pessoas com uma aura tão poderosa de autoridade moral que eles sentem orgulho e prazer em sua dor. Enquanto tal, a dinâmica psicológica não será, no entanto, a nossa preocupação central. Ao contrário, procuraremos compreender os fatores sociais e culturais que criam tais sentimentos”. [fim da pág.82]

2.2      O ascetismo


“Ao analisar as práticas ascéticas, é importante notar, antes de tudo, que o sofrimento é basicamente físico. [¼] Em geral, os seres humanos tornam-se ascetas ‘voluntariamente’, embora no caso do monasticismo cristão, em suas formas mais antigas e puras, as pressões sociais cercassem e apoiassem o indivíduo de forma a sustentar seu papel”. [fim da pág.83]
Um dos temas que recorrem em todas as formas de ascetismo é “a fuga dos imperativos rotineiros da vida, através da repressão dos desejos e instintos”. [fim da pág.84]
[¼] Essa peça de evidência indica que o ascetismo não era uma forma de renúncia imposta às classes inferiores pelas dominantes.
“Um outro tema, especialmente crucial no ascetismo hindu, é a auto-agressão em favor da vingança e do controle sobre o mundo exterior. De acordo com um estudioso ocidental, o ascetismo constitui para os indivíduos “o modo de conquistar os poderes do universo, o macrocosmo, através da sujeição completa de sua reflexão no microcosmo, o seu próprio organismo. (...) Este representa uma expressão de uma extrema vontade de poder, um desejo de conjurar as energias ocultas ilimitadas, que se armazenam na parte Vital inconsciente da natureza humana”. Na lenda e na tradição hindus, há muitos indícios de que os ascetas eram [fim da pág.85] vistos como perigosos. [¼] Em boa parte das lendas hindus, a rígida austeridade, a autonegação e o sofrimento constituem a forma mais efetiva de obter aquilo que se ambiciona”. [¼]
“Ao menos um dos elementos dessa corrente agressiva era o temor da sexualidade. A tentação sexual interferia com o ascetismo e constituía uma importante ameaça para o asceta”. [¼] [fim da pág.86]
Há certamente alguns contrastes notáveis entre o ascetismo cristão e o hindu. No ascetismo cristão, exemplos mostram que não há qualquer agressão aberta ou busca do controle do universo e o esforço para aliviar a miséria de outrem, através da caridade, desempenha uma parte importante, que parece não existir no ascetismo hindu. [¼] “Não obstante, tanto o ascetismo cristão como o hindu enfatizam a rejeição da rotina comum da sociedade humana, em favor de uma ativa busca do tipo mais desagradável e doloroso de experiências humanas”, como é o caso de São Francisco que suportou o contato íntimo com os leprosos, contra os quais desenvolvera, em outra época da vida, um ódio especial.
“Três temas relacionados emergem da pesquisa sobre as práticas ascetas. Um é a renúncia ou a fuga das obrigações sociais rotineiras. O segundo é a agressão contra o eu, incluindo a repressão da sexualidade, em benefício de algum objetivo mais elevado, como a salvação pessoal ou o controle pessoal sobre os poderes do universo. O terceiro tema, especialmente relevante na cristandade e do qual deriva o termo ascetismo (do grego askesis: exercício, prática, treinamento), é a preparação para experiências dolorosas que o indivíduo possa esperar encontrar em algum ponto posterior de sua vida. [¼] Entretanto, os rituais de iniciação quase nunca são voluntários nas sociedades onde todos os jovens normais devem submeter-se a eles em uma certa idade. O elemento  [fim da pág.87] comum em todos os três temas é um esforço para lidar com o sofrimento em geral inevitável ou aparentemente inelutável, pela imposição deliberada de dor sobre si próprio.
“[¼] O sofrimento auto-infligido é uma resposta possível a um alto nível de frustração produzido pela incerteza frente ao meio ambiente natural e social e à incapacidade de controlá-lo”.  [fim da pág.88]

2.3      Os intocáveis


[¼] Para ser aceitável, a injustiça evidentemente tem de parecer justiça. [fim da pág.89]
[¼]
A este respeito, é útil observar que, embora existam diferenças culturais nas definições de limpeza e poluição, [fim da pág.90] como o demonstra, por exemplo, o tratamento diverso dos trabalhadores com couro nas civilizações ocidental e hindu, existe também um núcleo comum de concordância. Haverá, brevemente, ocasião para mostrar com mais clareza o que significam as concepções hindus de repugnância e poluição, em termos concretos e humanos.
[¼] Uma explicação parcial emerge de algumas evidências de que os intocáveis aceitaram e absorveram as crenças hindus dominantes (karma) sobre o destino e a transmigração das almas. Há ainda provas mais fortes de que eles aceitaram as crenças hindus sobre a poluição, uma base essencial do sistema de castas. [fim da pág.91]
Na sociedade hindu, como em toda parte, a poluição é uma categoria ao mesmo tempo política e religiosa: refere-se à “matéria fora de lugar” ou algo a ser evitado. Assim, a poluição serve para ocultar aspectos desagradáveis da ordem social para as castas dominantes e reforçar tais aspectos em beneficio delas[CB3] . [fim da pág.92]
[¼] Um propósito fundamental dessas sanções é o de impedir os indivíduos intocáveis de adquirir qualquer sentido de auto-estima que pudesse desafiar a autoridade das castas superiores. Do mesmo modo que as antigas normas militares, a etiqueta das relações entre as castas serve para traçar a linha entre o permissível e o proibido, a um ponto bastante aquém do que é realisticamente perigoso para os grupos dominantes. A dimensão dessa margem de segurança nas relações com os intocáveis é em si uma indicação da natureza potencialmente explosiva da situação. [fim da pág.93]
[¼]
[fim da pág.94]
“Por menos invejável que fosse sua condição, os intocáveis não eram escravos, ou, pelo menos, não o eram, via de regra, na maior parte das regiões da Índia. Na área rural, vale dizer, na esmagadora maioria da população da Ïndia na época pré-moderna, os intocáveis eram servidores hereditários. [¼] De acordo com a lei não escrita, se sua família quisesse mudar-se da cidade, deveria, em primeiro lugar, encontrar outra família intocável para tomar seu lugar. As castas superiores não podiam escolher quem iria trabalhar para elas. [¼] Mas essas vendas [do direito de trabalhar para uma família] eram raras, porque significavam a perda do direito de nascença e da reputação familiar. [¼] Cada aldeia constituía um sistema altamente independente de intercâmbio de bens e serviços regulamentado pelo sistema de casta. Embora se tenha travado alguma discussão sobre o tema entre os especialistas, em minha perspectiva é apropriado designar tal sistema como uma forma de reciprocidade exploradora. Ele era explorador porque o ônus principal das obrigações recaía sobre as castas inferiores, especialmente os intocáveis, e os benefícios mais importantes fluíam para a casta dominante. Não obstante, era um sistema de direitos e deveres considerado legítimo por suas vítimas.  [fim da pág.95]
[¼]
O orgulho na resignação é algo que existe. [fim da pág.97]
“Numa investigação razoavelmente diligente da literatura sobre o tema, não fui capaz de encontrar qualquer traço de revolta aberta entre os intocáveis. Na ausência de algum aparelho repressivo severo [¼] parece bastante seguro que na sociedade hindu deve ter ocorrido o que os psicólogos denominam interiorização das normas. Neste caso, de qualquer modo, seria mais preciso falar de uma aceitação da autoridade moral dos opressores. Se havia um traço definido de ambigüidade nessa aceitação, isso é válido para toda a moral”.
“Diversas pistas levam à existência de sentimentos hostis. Textos hindus mencionados em um guia oficial deixam transparecer o temor do que aconteceria se os intocáveis se tornassem demasiado poderosos. [¼] No entanto, tal reputação para a criminalidade era uma das bases principais do desprezo votado aos intocáveis. É possível vislumbrar aqui o trágico círculo vicioso no qual as circunstâncias geram suficiente hostilidade entre os grupos oprimidos a ponto de tornar pior sua situação”. [¼] [fim da pág.98]
A insistência em seus próprios direitos, pequenos ou amplos, e, às vezes, ressentimento aberto frente ao desprezo e insultos é uma resposta nova por parte dos intocáveis.[¼]
[¼] Enquanto minoria, embora numerosa e espalhada por todas as partes da Índia, eles dispunham de escassa perspectiva realista de derrubar a ordem social, de substituir os sacerdotes e proprietários de terra pelos limpadores de latrina, ainda que a idéia lhes tivesse ocorrido. Na literatura que conheço, não há sinal de que uma idéia apareça espontaneamente. Quando ela efetivamente ocorre [¼]  as chances são quase absolutas de que sejam conseqüência de contato externo. [fim da pág.99]
[¼]
“[¼] Assim, somos levados de volta à explicação de que por alguma razão o espírito de revolta não podia surgir nessas circunstâncias históricas e sociais específicas. Ou ele não podia ocorrer aos intocáveis espontaneamente, ou era retirado deles, quando não uma combinação das duas coisas. Tal explicação pode ser ofensiva às vítimas do infortúnio histórico e especial­mente ofensiva àqueles que estão hoje engajados na ação militante para desfazer esse infortúnio. Entretanto, se a explicação é válida, a base para a ofensa desaparece, porque sentir-se ofendido implica a existência de oportunidades morais que simplesmente não estavam presentes aí”.

2.4      Campos de concentração

[fim da pág.100]
[¼] Sob tais circunstâncias, poder-se-ia esperar que o sofrimento parecesse mais injusto e não dispusesse de nenhuma autoridade moral. Não foi esse o caso. Parafraseando Shakespeare, alguns homens buscam o sofrimento; outros, nascem para sofrer; outros, ainda, são forçados ao sofrimento. Em cada um dos casos, um número considerável de vítimas sente que o sofrimento se apresenta com autoridade moral. Aquilo que é ou parece ser inevitável para os seres humanos deve também de alguma forma ser justo.
“Sob o regime nazista, alguns prisioneiros dos campos de concentração vieram a aceitar a autoridade moral de seus opressores através de processos bastante complexos [¼]. Em certos campos, essa aceitação chegou, às vezes, ao ponto de alguns presos procurarem alcançar a identificação com os SS, copiando seu estilo de vestir (na limitada medida do possível), de uma maneira que seria ridiculamente cômica, se as circunstâncias não tivessem sido tão trágicas”. [¼]
“[¼] Em sua operação dos campos, os SS procuravam deliberadamente romper todos os vínculos sociais entre os presos e reduzi-los a uma massa atomizada, homogênea e desamparadamente degradada. [¼] Era necessária uma cooperação mínima dos presos, a fim de efetuar a rotina diária de conduzi-los aos dormitórios, alimentá-los e obrigá-los a trabalhar”. [¼] [fim da pág.101] Assim surgiam redes informais de cooperação entre os prisioneiros, com o intuito de mitigar ao menos alguns dos rigores de uma guerra de todos contra todos. “A síntese dessas duas tendências opostas para a atomização e a cooperação era [¼] o seu aspecto mais horrível. Os SS eram capazes de perverter, para seus próprios objetivos cruéis, as redes de cooperação social que se originavam espontaneamente, as quais, de outra maneira, teriam constituído focos de oposição ou de desintegração da sociedade dos campos. Finalmente, indivíduos diversos, marcados por experiências históricas e sociais diferentes, mostravam suas próprias variações em sua capacidade para sobreviver, assim como em sua escolha ou rejeição das estratégias de sobrevivência que a sociedade dos campos criava”.
“Ao ingressar nos campos, os prisioneiros defrontavam-se com “cerimônias de boas-vindas” de natureza absolutamente brutalizante, uma série de experiências que iria continuar durante o resto de sua permanência. Como veremos, porém, grande parte da bestialidade vinha do comportamento de outros prisioneiros na mesma situação. Esses ritos de passagem traumáticos produziam dois efeitos relacionados. O primeiro era a degradação direta, a destruição do auto-respeito do preso, o desaparecimento de qualquer individualidade ou status que ele pudesse ter desfrutado no mundo exterior. O segundo, os funcionários dos campos ‘trabalhavam’ os prisioneiros, a fim de torna-los tão parecidos quanto possível, conferindo-lhes uniformes e números, após confiscar-lhes os bens pessoais”.
“Essas ações eram o início de um regime que privava os presos de tudo, exceto de um mínimo de comida e um mínimo de sono. Tão logo quanto possível, os guardas dos [fim da pág.102] campos destinavam os prisioneiros ao trabalho exaustivo. Eles controlavam praticamente todos os momentos da vida desperta dos prisioneiros, a ponto de lhes concederem apenas períodos escolhidos para urinarem e defecarem. Evidentemente, uma das conseqüências era tornar os prisioneiros quase completamente dependentes dos guardas dos campos”. [¼]
“Assim, desde o momento do ingresso, o prisioneiro estava sujeito a um regime de privação agudamente doloroso e de temor por sua sobrevivência. Ao lado dos espancamentos selvagens por parte dos SS, se a pessoa por acaso chamasse sua atenção, o prisioneiro podia ser assassinado em virtude de infrações a uma disciplina arbitrária e incerta”. [¼]
[¼]O condicionamento [¼] pode transformar as atitudes. [¼] Em primeiro lugar, os prisioneiros acostumavam-se ao medo. A brutalização entorpecia os seus sentidos. [¼]  Até onde o medo era um componente relevante, na maior parte do tempo não se tratava de medo dos SS, mas [fim da pág.103] dos outros prisioneiros. De acordo com um dito comum nos campos, os prisioneiros eram, eles mesmos, os seus piores inimigos.
“Uma das formas mais amenas dos prisioneiros prejudicarem-se entre si era o furto. Devido apenas em parte à competição por recursos escassos, havia uma ruptura generalizada dos vínculos sociais. [¼] “Você sobreviverá ou sobreviverei eu? Tão pronto isso estivesse em jogo, todo mundo se tornava egoísta”. A Uma vez que a própria sobrevivência em geral exigia algum grau de cooperação entre os prisioneiros, a desintegração social não era de modo nenhum completa. Para um grande número de prisioneiros, entretanto, a falta absoluta de privacidade, a impossibilidade total de ficar só, tomava a situação menos suportável. A intimidade forçada pode ser um inimigo da solidariedade e da cooperação”.
“[¼] A existência de apenas um pequeno número de “foras-da-lei entre os foras-da-lei”, com efeito, rufiões que procuram tirar vantagem dos outros prisioneiros e lhes roubar, é certamente o bastante para criar tal atmosfera”. [fim da pág.104
Ao lado das pressões geradas internamente, a heterogeneidade da comunidade prisioneira tornava a cooperação e a solidariedade, bem como a conseqüente resistência, quase impossíveis. [¼]
Tais variações no background social e cultural tinham conseqüências muito importantes na determinação da resposta individual à vida do campo de concentração e na decorrente capacidade para sobreviver, a despeito de todos os esforços dos guardas para pulverizar os prisioneiros numa massa atomizada. Os indivíduos apolíticos com passado de classe média, [¼] eram os mais passíveis de se desintegrarem e sucumbirem. Embora injustamente aprisionados, eles não se atreviam a se opor a seus opressores, [¼] embora isso lhes pudesse conferir um auto-respeito de que desesperadamente precisavam. Muitos deles estavam inclinados a pensar que tudo aquilo era um horrível equívoco, uma reação talvez característica de indivíduos [fim da pág.105] privilegiados. [¼] Para alguns, o sentimento de ser inocente e ainda ter de sofrer despertou a autopiedade e privou-os da energia necessária à sobrevivência.
[¼]
“Entre os prisioneiros de classe média, um outro elemento que fatalmente debilitava a sua capacidade de resistência e adaptação, tanto dentro como fora dos campos, era a tendência a se apegarem à segurança das rotinas conhecidas”. [¼] Quando os prisioneiros judeus alemães foram perguntados por que eles não tinham deixado a Alemanha antes, em virtude das condições absolutamente degradantes às quais tinham sido submetidos antes de 1938, suas respostas iam no sentido de que eles não podiam partir, porque isso significaria abandonar os seus lares e locais de trabalho. “Seus bens materiais tinham assim [fim da pág.106] sim tomado posse deles, de tal forma, que não podiam partir; ao invés de utilizá-los, eram dirigidos por eles”.
[¼]
“Talvez fosse mais exato caracterizar as respostas de classe média que acabamos de descrever mais como uma forma de capitulação à autoridade moral do opressor do que como uma aceitação desta”. [¼] [fim da pág.107]
“No pólo oposto da escala, todos os relatos concordam em que as mais passíveis de sobreviver eram as pessoas com fortes convicções religiosas ou políticas. [¼] O campo de concentração, em vez de minar suas convicções, como acontecia com os prisioneiros apolíticos, com sua firme crença na lei e na ordem, confirmava as idéias e as expectativas dos prisioneiros esquerdistas, ao ‘provar’ que tais pessoas eram realmente perigosas para os nazistas e que estes as levavam a sério. Na verdade, eles se orgulhavam de sua prisão. Os criminosos estavam numa posição intermediária. Da mesma forma que a esquerda política. eles tinham rejeitado a sociedade burguesa e não viam razão em fazer patéticos esforços para se aferrar aos seus símbolos externos. Na visão dos criminosos, a selva do campo de concentração não era totalmente diferente daquela que eles conheceram anteriormente. O campo de concentração tinha o sabor adicional de colocá-los em pé de igualdade com banqueiros, advogados e aristocratas”.
“Entre os prisioneiros políticos, os comunistas desempenhavam, sem sombra de dúvida, o papel dominante. Embora suas convicções fossem essenciais à sua sobrevivência, os comunistas de modo algum deviam sua sobrevivência [fim da pág.108] apenas a elas. Eles constituíam um grupo coeso e procuravam, em alguns campos, obter o controle da maior parte de sua administração, incluindo duas funções-chave: a distribuição de turmas de trabalho e a designação de prisioneiros para outros campos de extermínio”.
“Tudo isso era possível porque, como ocorre nessas situações, os funcionários não podiam controlar, através do medo e de outras sanções, absolutamente todos os detalhes da vida dos prisioneiros. Algumas áreas de autonomia, ou ao menos de pseudo-autonomia, tinham de ser deixadas para os presos, a fim de conseguir que efetuassem coisas tão simples como marchar para os locais de refeição e os dormitórios, no momento apropriado. Essa garantia de autonomia parcial fornecia uma brecha que os comunistas tudo fizeram para conquistar e expandir como uma cabeça-de-ponte de seu próprio poder. Ao fazê-lo, eles tinham de competir com outros grupos informais de prisioneiros, particularmente os existentes entre os presos comuns. Desse modo, surgiam agudas lutas de facção entre os prisioneiros. Os comunistas usavam sua posição para punir seus inimigos, e recompensar os seus amigos e aliados com trabalhos mais seguros, melhor comida e a exclusão da lista dos que deveriam ser enviados aos campos de extermínio. Os inimigos, por sua vez, eram colocados nessas listas. Os comunistas e os que atuavam com eles assumiam de bom grado a culpa inerente às decisões de condenar muitos à morte, na esperança de salvar alguns, para pretensamente melhorar as condições no conjunto do campo. [¼] eles geravam, desse modo, as típicas justificações e cegueira sociais de uma classe dominante. Não obstante, eles criaram o centro do que havia e podia haver de resistência no interior dos campos, organizando a propaganda clandestina, a distribuição de notícias e fazendo o que podiam para minar a confiança e o moral dos SS. Conforme Confessa Kogo, um membro não comunista dessa elite de PriSioneiros, eles não podiam mudar as medidas reais: não [fim da pág.109] podiam impedir os transportes para a morte. Como administradores informais dos campos, suas atividades requeriam pelo menos um mínimo grau de colaboração com os SS. Dessa maneira, eles se tornaram o núcleo da elite dos campos (Prominenten) em Buchenwald e em outras partes”.
“Em pouco tempo, um segmento da elite dos campos, incluindo os políticos, tornava-se completamente corrupto. Caixas de alimentos das provisões do campo eram contra­bandeadas e remetidas às famílias da elite dos prisioneiros. Nas últimas fases da guerra, alguns membros de tal elite desfilavam pelo campo em roupas sob medida, trazendo pequenos cães pela coleira; isso numa época em que os SS já não portavam botas de cano longo, mas somente sapatos militares comuns. Essas cenas tinham lugar em meio ao caos de miséria, imundície, fome e morte. Assim, os campos de concentração forçaram os ativistas revolucionários a um papel “reformista” altamente ambíguo. Ainda que tais indivíduos nunca tenham aceito a autoridade moral de seus opressores, ao lutarem contra ela sofreram a sua contaminação”.
“A resistência era basicamente um assunto da elite dos prisioneiros. A massa dos internos formava ou era incluída em outras redes sociais. Essas redes surgiam em torno da coabitação no mesmo dormitório ou da designação para o mesmo destacamento de trabalho. Em ambas as situações, os SS estabeleciam tarefas cuja realização estava acima das forças da maioria dos seres humanos, particularmente de pessoas semimortas de fome. Uma falha de qualquer prisioneiro resultava na punição de toda a unidade. Tal situação gerava enorme hostilidade diante de todo prisioneiro que, por fracasso ou debilidade, atraísse a atenção dos SS para sua unidade, uma atitude talvez intensificada pelo fato de que era impossível aos prisioneiros dirigir sua hostilidade direta à fonte real, contra os próprios SS. Um sintoma desse alto grau de hostilidade era a contínua rudeza verbal e a [fim da pág.110] eliminação completa de certas formas de polidez no relacionamento na vida cotidiana, como o ‘por favor’ e o ‘obrigado’. Quando um recém-chegado usava uma dessas expressões recebia em geral uma saraivada de obscenidades.”[¼]
 [fim da pág.111]
Do ponto de vista desta investigação, o aspecto mais significativo da organização social dos campos de prisioneiros era a forma como esta atuava no sentido de inibir qualquer ação com sabor de resistência heróica. [¼] “Se um prisioneiro tentava proteger a outrem e isso chegava ao conhecimento dos guardas, o prisioneiro era comumente executado. Todavia, se seu ato chamava a atenção da administração do campo, o grupo todo era punido severamente. Dessa maneira, o grupo passava a indignar-se com seu protetor porque este lhe trazia sofrimento.”
[fim da pág.112]
[¼]
 [fim da pág.113]
[¼]
A aceitação aparentemente estranha e paradoxal da autoridade moral do opressor é explicável em termos de três conjuntos de causas: 1) um número substancial de prisioneiros, como alemães “patriotas”, já compartilhava certos valores com os SS. [¼] 2) como acabamos de observar, existiam poderosas pressões sobre o indivíduo, contrárias à resistência heróica, porque tais atos ameaçavam a [fim da pág.114] sobrevivência do grupo ao qual ele pertencia. [¼]
Portanto, não é surpreendente que alguns dos prisioneiros mais antigos e mais completamente condicionados imitassem os guardas, servindo de instrumento para se livrarem dos inaptos, os presos recentes, um ato talvez necessário para a sua própria sobrevivência, e não obstante moldados nos SS. [¼] [fim da pág.115]
[¼]
“Conforme enfatizado acima, tal comportamento não era universal. Alguns prisioneiros sustentavam a atitude exatamente oposta e encaravam todos os regulamentos dos SS como ridículos. Embora essa aceitação e a identificação com os SS pareçam ter ocorrido em apenas uma minoria dos casos, elas são extremamente reveladoras para nossos propósitos, pois, ao contrário do que acontecia nos centros de doutrinação e nos campos de ‘lavagem cerebral’ para prisioneiros de guerra civis norte-americanos na Coréia, surgiram de forma quase completamente não intencional”. [fim da pág.116]
“Não fica claro, a partir dos dados disponíveis, se essa identificação com o agressor nazista chegou ao ponto de impedir todo sentimento hostil diante dos SS, mas isso parece bastante improvável. Em um contexto diverso, Bettelheim observa que, em geral, “a fraqueza e a submissão carregam amiúde maior hostilidade que a contra-agressão aberta. [¼]
Não existia um ódio profundo contra os SS; pois para a maioria dos internos eles pareciam mais ridículos que odiosos. Compreensivelmente, o desejo de vingança era poderoso, embora. na maior parte das vezes esse desejo assumisse a forma de fantasias. Muitas vítimas dos campos entregaram-se a planos vagos e irrealistas de uma revolução que não deixaria nenhuma das coisas do mundo intocada, uma vez que pudessem sair.[¼]
“Em sua totalidade, portanto, o campo de concentração aparece como uma, caricatura horrível mas facilmente reconhecível de muitas sociedades ‘civilizadas’”.  Há a mesma hierarquia de classes, a mesma competição por migalhas entre os indivíduos nos estratos mais baixos, o mesmo surgimento de uma elite reformista e arrogante entre aqueles que, em princípio, eram opositores do regime, e de uma [fim da pág.117] variedade de mecanismos que produzem nas camadas subordinadas uma aceitação dos valores dos governantes, como virá à luz no devido momento, todos esses processos sociais serão encontrados na história das classes trabalhadoras alemãs e de forma alguma se confinam àquele país”.

2.5      Sufocando o sentido de injustiça


Seria um grave erro elevar o campo de concentração ao nível de um modelo geral de repressão. Isso é especialmente verdadeiro para o problema que está agora no centro de nossa atenção: as formas e os mecanismos de auto-repressão. Como o campo de concentração usa a máxima força, há forte razão para encará-lo como a menos eficaz das três formas acima esboçadas.
O capítulo precedente apresentou evidência a favor da visão de que existe algo como um senso de injustiça recorrente e possivelmente pan-humano, que se origina das exigências combinadas da natureza humana inata e dos imperativos da vida social. Ao estipular de início que era possível sufocar a reivindicação por justiça e pelo fim do sofrimento humano, a análise buscou neste capítulo descobrir as formas sob as quais esse sufocamento pode ocorrer. Cada um dos três casos extremos revela certos aspectos desse.

2.5.1      Aspectos mais importantes do processo geral de auto-repressão:

Para iniciar com o indivíduo em sua concretude, seria um equívoco, acredito, enfocar o processo como basicamente vinculado à destruição da auto-estima. A auto-estima é algo que deve ser criado, ainda que o anseio por ela possa ser inato. Em nossa própria sociedade, com sua ênfase na realização, a auto-estima exige a constante renovação no curso do ciclo de vida. Do ponto de vista de um gru-[fim da pág.118] pó dominante, a tarefa fundamental é inibir qualquer forma potencialmente perigosa de auto-estima e desviar todas as tendências inatas de tal tipo, para sentimentos como o orgulho em realizar trabalhos humildes, que irão servir de sustentáculo à ordem vigente. [¼]
A etiqueta é uma forma de inibição, por meio do aprendizado do verdadeiro lugar de cada pessoa. A menos que os indivíduos desejem aprender, nenhuma soma ou modo de aprendizado pode ser efetivo. Aqui entra em jogo a privação material, originalmente sob a forma de fome. Os modernos prisioneiros de guerra, que não podem resistir à tentação de servir a seus capturadores em favor de rações maiores, revelam a essência - dessa relação. A fome intensitica a prontidão para as sugestões advindas do meio social quanto às formas de se comportar que poderão reduzir as agonias. Embora ocorra considerável variação de um indivíduo para outro, o efeito é tornar as pessoas ávidas por aprender como agradar aqueles que controlam o meio ambiente. Quando os impulsos foram despertados, a simples retirada da situação torna-se muito mais difícil. Uma rejeição crítica da fonte de gratificação parece quase impossível. O resultado é uma aceitação dos códigos e padrões sociais sustentados por aqueles que controlam a situação”.
“Essas considerações mostram que é necessário levar em conta as definições culturais, os indicadores acabados de perigo e as fórmulas para enfrentá-lo que os indivíduos adquirem a partir do conhecimento e da prática sociais que [fim da pág.119] os circundam. Se cada homem tivesse de resolver cada situação outra vez, a sociedade humana seria uma impossibilidade. Essas fórmulas culturais definem as necessidades socialmente aceitáveis e inaceitáveis, o significado e as causas do sofrimento humano, e o que, de algum modo, o individuo pode ou deve fazer com relação ao sofrimento. No ascetismo, nas castas hindus e, em menor extensão, nos campos de concentração, é possível discernir um padrão geral de explicação cultural que sufoca o impulso de fazer alguma coisa face ao sofrimento. A explicação produz tal efeito, ao fazer com que o sofrimento apareça como parte de uma ordem cósmica, portanto, inevitável, e em certo sentido justificada. De forma ainda mais significativa, o modo de explicação ajuda a lançar os impulsos agressivos produzidos pelos sofrimentos e a frustração contra o próprio eu. Esse deslocamento da agressão para dentro é mais notável no caso do ascetismo. Mas é válido também para as crenças hindus sobre as castas, de modo geral: o fracasso em mostrar respeito aos superiores nesta vida conduzirá a punições na próxima. Nos campos de concentração, esses mesmos mecanismos apareciam entre os presos anteriormente condicionados a aceitar a lei e a ordem alemães sem questionamento crítico, os quais explicavam seus apuros presentes como devidos a mal-entendidos ou a equívocos na maneira como essa lei e essa ordem foram aplicadas aos seus casos particulares”.
“Assim, as definições culturais disponíveis para a realidade social limitam o âmbito das possíveis respostas a essa mesma realidade. Com base nesses três exemplos, é também possível distinguir quatro tipos de processos sociais que servem para inibir os esforços coletivos visando identificar, reduzir, ou resistir às causas humanas da dor e do sofrimento. E desnecessário acrescentar que a ação eficaz contra as causas sociais do sofrimento precisa ser coletiva. Os esforços individuais não devem ser desconsiderados e são certamente melhores que nada, a menos que ocorram a custa de outras vítimas, como é amiúde o caso, infelizmente. Mas as soluções individuais que servem apenas a uma minoria não mudam, por definição, as situações”. [fim da pág.120]
Para este sociólogo, o conjunto mais surpreendente de a serem desvendados nesses exemplos é a maneira a solidariedade entre os grupos oprimidos configura-se prontamente contra um indivíduo que protesta ou tenta proteger outros. [¼]
Os outros três processos sociais: 1) destruição dos hábitos e vínculos sociais anteriores existentes entre os sofredores, ao ponto de os indivíduos serem deixados sem apoio social e de outros. Isso pode ocorrer como resultado da política deliberada de um opressor [¼]  ou em conseqüência de processos sociais mais difusos, que provocam o desaparecimento das maneiras tradicionais de ganhar o próprio sustento. [¼] 2) a fragmentação, merece alguns breves comentários.
A fragmentação diz respeito à situação de uma população oprimida ou subordinada, cuja experiência histórica [fim da pág.121] anterior fez com que se dividisse em dois ou mais grupos concorrentes, com seus próprios e distintos modos de vida Tais divisões ao longo de linhas étnicas, religiosas, ocupacionais e de classe freqüentemente se opunham mesmo à mínima cooperação entre os prisioneiros nos campos de concentração. [¼] Essa espécie de fragmentação representa o oposto do processo já mencionado de atomização. A fragmentação geralmente implica a intensificação dos vínculos sociais anteriores, e não a sua destruição. Uma rede de obrigações e hostilidades herdadas envolve a vítima de infortúnio e opressão até o ponto em que é impossível rompê-las para formar laços com outros indivíduos que vivem a mesma vicissitude, O excesso de apoio social, ou o apoio social inadequado às circuns­tâncias, pode tornar uma pessoa tão ineficaz causando talvez tanta dor como a inexistência de apoio.
Todos os processos psicológicos, culturais e sociais acima examinados atuam conjunta ou separadamente, para criar o sentido de que a dor e o sofrimento são acompa­nhados de autoridade moral, sendo, na verdade, em um certo grau, moralmente desejáveis. As próprias experiên­cias também aparecem como inelutáveis ou mesmo inevitá­veis. Assim, talvez a conquista da inevitabilidade constitua o âmago dos temas que aqui consideramos. Nesse caso, deve haver uma conquista no mundo real tanto quanto nas emoções, percepções e raciocínios humanos. Embora o in­dício pareça promissor, haverá limites óbvios a qualquer exploração neste sentido, até que examinemos a dimensão histórica. Enquanto isso, podemos inverter o foco de aten­ção deste capítulo, a fim de considerar os mecanismos so­ciais e psicológicos aos quais recorreram ou tentaram recor­rer os indivíduos para superar a desesperança em face da adversidade.
[fim da pág.122]

3.     A recusa do sofrimento e da opressão

3.1      Os temas


“[¼] superar a autoridade moral do sofrimento e da opressão significa persuadir a si próprio e aos outros de que é tempo de mudar o contrato social. Mais especificamente, as pessoas passam a acreditar que um novo e diferente conjunto de critérios deve entrar em vigor, para a escolha dos detentores da autoridade, a maneira como eles a exercem, a divisão do trabalho e a alocação de bens e serviços. [¼] Felizmente, aqueles que buscam na prática as transformações [¼] expressam os problemas de uma forma mais simples. Eles dizem alguma coisa como: “Proletários de todos os países, uni-vos”, “Salário justo por jornada de trabalho justa!”, “Terra para quem cultiva!”, “Liberdade, Igualdade, Fraternidade!”. Se assim não fosse, é provável que nada tivesse acontecido. Todavia, tão logo se procure discernir o que realmente ocorreu, bem como o que os lideres políticos tentavam conseguir, e as diferenças entre as duas coisas, torna-se necessário utilizar termos mais complexos. Isso deve servir como advertência inicial sobre o que significa realmente superar e transformar um sistema social opressivo”. [fim da pág.123]
[¼] “buscamos neste capítulo os processos gerais que acontecem no nível da cultura, da estrutura social e da personalidade individual, à medida que grupos de pessoas cessam de considerar o seu ambiente social como garantido e passam a rejeitá-lo ou a opor-se ativamente a ele. O processo fundamental de transformação cultural consiste num solapamento do sistema de crenças vigente, que confere legitimidade, ou pelo menos naturalidade a algum grau de correspondência com as expectativas comuns, à ordem social existente. Na área da estrutura social, corresponde à criação de uma presença política efetiva, alguma forma de organização para se contrapor à autoridade organizada [¼] Como parte da nova identidade política, vêm à luz novos diagnósticos para as misérias humanas e novos critérios para sua condenação. Em alguns casos, essa inovação pode resultar na descoberta e no reconhecimento da infelicidade, algo muito diferente, porém, que a sua invenção. Psicologicamente, ocorre a infusão de energia na alma humana que lhe dá o poder de julgar e agir. O processo culmina na tomada do poder, ou mais precisamente, numa partilha decisiva do poder, com o conseqüente estabelecimento de um novo tipo de sociedade.
O processo pode ser mais ou menos pacífico e gradual, ou relativamente violento e abrupto, embora nunca tenha sido completamente uma coisa ou outra. Tampouco ocorre em todas as épocas e em todos os lugares. Raramente consegui descobrir algum traço dele em sociedades não letradas. ‘A quase inexistência de ação e pensamento críticos de tal espécie é notável mesmo naquelas monografias antropológicas que conseguem abordar de forma adequada as normas culturais em torno das quais os nativos contam aos estrangeiros o que realmente acontece. Assim, é mais provável que esse tipo de processo social não apareça senão quan[fim da pág.124]do a espécie humana tenha atingido um nível mais complexo de civilização. Por outro lado, ele também não vem à tona em todos os lugares que chegaram a esse nível. Até o século XX, tratava-se basicamente de uma característica do que se denomina imprecisamente a civilização ocidental. [¼]
[¼] limitação da análise: o autor nada dirá sobre o processo real de tomada do poder, tanto nas situações revolucionárias como nas não revolucionárias, porque a análise histórica da Terceira Parte examinará duas situações revolucionários concretamente. Consideração geral: Existe uma tendência, acredito, a superenfatizar as tendências sociais de longo termo subjacentes às irrupções revolucionárias e às mudanças dramaticamente pacificas, bem como a subestimar a importância do controle sobre os aparelhos de violência — o exército e a policia — e o significado das decisões tomadas pelos líderes políticos. As tendências de longo termo apenas fornecem as atrações e oportunidades aos líderes políticos e colocam limites externos ao que é possível em termos de pensamento e ação. [¼]
[¼] “discutir como são superados os obstáculos culturais e sociais de uma maneira razoavelmente sistemática, o objetivo será manter a análise num nível ainda elevado de generalização, mas de forma que as considerações mais importantes venham à luz e encontrem seu lugar, sem recair em abstrações inexpressivas. [¼] Assim, o tratamento [fim da pág.125] desses tópicos será deliberadamente exploratório, incompleto e generalizante. [¼]

3.2      Aspectos culturais e sociais


“É muito difícil asseverar como e onde começa exatamente o processo de superação da autoridade moral do sofrimento e da opressão, em parte porque é bastante improvável que o princípio esteja visível. Da mesma maneira, e difícil ver qualquer razão lógica ou empírica que confira uma aura de hegemonia causal às transformações que ocorrem em uma das três áreas designadas, convencional e convenientemente (mas com pouca clareza), como cultura, estrutura social e personalidade. O que parece claro é que O grau de mudança em uma área é limitado pelo grau de mudança nas outras. Revoluções industriais não acontecem sem mudanças na natureza humana, e as revoluções intelectuais não ultrapassam a condição de caprichos ou brincadeiras num contexto social desfavorável. Portanto, nãO importa muito saber onde a investigação se inicia. Uma vez que começamos pela observação de que em algum ponto próximo ao início do processo algum indivíduo concreto deve ter dúvidas sobre a legitimidade do sofrimento predominante, será proveitoso examinar primeiramente a natureza da legitimidade. [fim da pág.126]
“No caso de sociedades estratificadas e civilizadas, e possível distinguir certos tipos de dominação que guardam relação com os tipos de estratos dominantes nessas sociedades. Não há, obviamente, uma forma pura de qualquer variedade específica de estrato dominante. Não obstante, as variações na ênfase são razoavelmente nítidas e as categorias de elite militar, teocrática, plutocrática e burocrática de bem-estar (welfare) não apenas correspondem a realidades observáveis, como também parecem encobrir, com a devida ressalva dos casos combinados e superpostos, a gama real de variação que a experiência humana até hoje proporcionou. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos observar que cada tipo específico de grupo dominante provavelmente expressará sua forma específica de vulnerabilidade ao ataque crítico. Pode-se esperar de cada espécie de estrato dominante uma forma própria de contrato social baseada em seus próprios princípios específicos de desigualdade social. Estes, por sua vez, enfatizam a importância de quaisquer que sejam as funções sociais particulares que o estrato dominante desempenha ou alega desempenhar”.
Portanto, uma tarefa cultural básica que se coloca para qualquer grupo oprimido é a de solapar ou destruir a justificação do estrato dominante. Tais críticas podem assumir a forma de tentativas de demonstrar que o estrato dominante não cumpre as funções que alega cumprir, violando, desse modo, o contrato social específico. Com muito mais freqüência, elas tomam a forma de indivíduos do estrato dominante que fracassam no cumprimento do acordo social. Tal crítica deixa ilesas as funções substanciais do estrato dominante. Apenas as formas mais radicais de crítica questionaram se os reis, capitalistas, padres, generais, burocratas, etc., serviam a qualquer propósito útil”. [fim da pág.127]
[¼]
“Uma elite ou aristocracia militar constitui o alvo mais fácil de juízos e condenações, quando seus membros falham em garantir a vitória ou a proteção; a violação do contrato social torna-se nítida para todos. Por outro lado, se o regime consegue garantir o controle das formas de violência, ele pode ser o mais difícil de ser modificado. A extensão em que os obstáculos dependem da tecnologia moderna é problemática”. [¼]
“Os ataques radicais a uma sociedade militarista assumem a forma de investidas à ética militar e heróica.” Existe uma tendência de pensamento, desde os primeiros cientistas sociais como Adam Smith e Spencer [fim da pág.128], em que é possível traçar uma distinção entre o materialismo e o racionalismo como os inimigos da ética militar e heróica. “A crítica social contemporânea inverte esse raciocínio. Ela traça uma conexão entre o materialismo, o racionalismo e o impulso de dominar e explorar. Com a decadência das elites pré-industriais, e a intensificação da violência e da opressão no século XX, os princípios básicos da própria sociedade industrial moderna [¼] passaram a sofrer ataques cada vez mais intensos”.
“[¼] Não é fácil tornar a acumulação de riqueza um fim em si. Talvez porque pode servir a quase todos os propósitos, a riqueza, diferentemente da santidade ou da sabedoria, tem de ser um valor instrumental. Os ataques contra os ricos e a exigência de que sejam submetidos aos usos socialmente aprovados são um fato tão antigo como a memória humana. [¼] De outra forma, a plutocracia pode ser o tipo de ordem social cuja legitimidade é mais constantemente desafiada. Ao mesmo tempo, por ser a riqueza um solvente de outros valores, ao tornar possível adquirir as boas coisas da vida, um grande número de sociedades nitidamente baseadas em outros princípios exibe uma tendência acentuada para se transformar em plutocracias”.
As burocracias do bem-estar são um produto histórico recente e inédito. Elas são, com efeito, variantes da plutocracia, uma vez que aceitam as mesmas metas materialistas, mas alegam que podem atingi-las com mais rapidez e mais eqüidade. E os conceitos de eqüidade são os que mais facilmente podem colidir de forma aguda com uma ética [fim da pág.129] plutocrática, mesmo se ela está disfarçada em paternalismo. [¼]
“Há motivos para crer que todas as formas possíveis dessa rejeição enfrentam o grave risco de desembocar num beco sem saída. A forma esquerdista de crítica converte-se facilmente em uma religião apolítica de fraternidade e amor. Outras críticas fundamentais aparecem como variantes geralmente inaceitáveis do conservadorismo. Uma delas é o esforço por reviver uma ética heróica e militar. O fascismo mostra para onde esta conduz. Uma versão mais moderada sustenta que a burocracia do bem-estar num país [fim da pág.130] industrial adiantado é essencialmente impraticável porque, no final, o país não pode custeá-la: o sistema destrói a iniciativa, fornece recompensas insuficientes para a qualificação, é inflexível e acabará por destruir ou debilitar a produção até o ponto em que o país perderá seus mercados (internos e externos) e, em conseqüência, o alto padrão de vida que é a precondição para todo o sistema”. Esses argumentos significam que “uma combinação de pressões institucionais força qualquer sociedade moderna a acumular riqueza e a conservar a ética do trabalho, e que as penalidades pelo fracasso nessas tarefas são a miséria generalizada muito superior ao que acontece quando umas poucas pessoas desperdiçam bens de luxo moralmente suspeitos”. [¼]
Tais observações sobre os tipos diferentes de legitimidade e suas bases sociais indicam a gama de oportunidades disponível aos grupos de oposição e as fontes estruturais de tal oposição. Para qualquer grupo oprimido, a tarefa principal é superar a autoridade moral das fontes de seu sofrimento e criar uma identidade politicamente efetiva. Para fins analíticos, é útil distinguir três aspectos sociais e culturais desse processo. Um deles é a inversão das espécies de solidariedade entre os oprimidos que auxiliam o opressor”. Exemplos dessa espécie de solidariedade são a hostilidade ao ‘cara estourado’ das prisões norte-americanas e o comportamento semelhante nos campos de concentração, onde os prisioneiros disciplinam-se mutuamente para cumprir a vontade do opressor. “Inverter esse tipo de solidariedade e dirigir o antagonismo externamente em direção ao inimigo comum não são uma tarefa fácil, pois mesmo a solidariedade que auxilia o opressor constitui alguma proteção para as vítimas. Tampouco todos os obstáculos à ação coletiva contra os grupos dominantes provêm dos atos e políticas das autoridades. Nas sociedades modernas, [¼] a fragmentação resultante de uma complexa divisão do trabalho é especialmente importante”. [fim da pág.131]
“O segundo aspecto do processo é mais cultural que social: a criação de padrões de condenação para explicar e julgar os sofrimentos vigentes. Como se mostrou, os homens podem aprender não apenas a aceitar mas a escolher a dor e o sofrimento. Embora sempre permaneça algum substrato lógico de resistência às experiências dolorosas, [¼] é [¼] totalmente possível suplantar tais tendências instintivas através de várias formas de condicionamento. Como já foi salientado anteriormente, essa capacidade do homem para ignorar e aceitar o sofrimento é essencial para a sua sobrevivência. Nesse sentido, qualquer movimento político contra a opressão deve desenvolver um novo diagnóstico e uma nova cura para as formas existentes de sofrimento, um diagnóstico e uma cura através dos quais esse sofrimento fique moralmente condenado. Os novos padrões de condenação moral constituem a identidade central de qualquer movimento oposicionista”.
“Como parte dessa nova identidade, baseada em urna nova percepção de maldade, desenvolve-se uma outra definição de amigo e adversário. Em toda sociedade, exceto as mais isoladas, nas quais a mudança social abrangente é de qualquer modo altamente improvável, a redefinição de amigo e adversário deve aplicar-se igualmente às sociedades vizinhas e concorrentes. Esse processo de redefinição do inimigo externo é suficientemente difícil e importante para garantir a atenção como um aspecto separado da criação de uma identidade política efetiva, por parte dos movimentos oposicionistas. [¼] O tema de forma alguma se confina aos tempos modernos. [¼] Em outras épocas e locais, as grafldC5 religiões mundiais e os movimentos sectários no seio delas [fim da pág.132] contribUÍram fortemente para a definição e a redefinição do inimigo comum”.
[¼]
“Um aspecto geral de todo o processo exige [¼] algum comentário, antes de tentarmos analisar o que acontece com os indivíduos. Colocada cruamente, a questão é a seguinte: é verdadeiro que os estratos inferiores pouco se importam com os princípios de legitimidade reinantes em sua sociedade? Em que medidas eles efetivamente conhecem e se preocupam com tais assuntos?” [¼] É, na verdade, muito difícil afirmar como os camponeses das sociedades pré-industriais pensavam e sentiam, embora haja mais informação relativa ao modo como eles realmente se comportavam. O mesmo pode ser dito dos estratos urbanos inferiores. [¼] [fim da pág.133] No entanto, pode-se dizer que há alguns princípios de legitimidade e que estes têm de entrelaçar-se de alguma maneira com os princípios vigentes entre os estratos dominantes, e que a natureza de tal entrelaçamento terá conseqüências significativas para as formas e o caráter do descontentamento social”. [¼]

3.3      Autonomia moral e personalidade humana


“Em todos os sentidos, nesses processos complexos, os indivíduos concretos têm de agir e agem de certas maneiras. O que, então, lhes dá a coragem para romper completa ou parcialmente com a ordem social e cultural na qual estão inseridos?” [¼]
“A resposta fornecida pelo senso comum diz que a dor do sofrimento mais cedo ou mais tarde leva a um ato de desespero”. Uma resposta bastante insatisfatória, pois eles por si sós não proporcionam uma explicação adequada. A dor pode ser anestesiada, e há situações que conduzem os seres humanos a infligi-la a si próprios, ou ainda, a ação pode ser ou parecer fútil, ou mesmo causar um sofrimento ainda maior.
Uma certa “energia na alma” parece ser um ingrediente necessário. Mas o que isto [fim da pág.134] significa realmente e como ela é conseguida? [¼] O que a pergunta em si pode significar?
Autonomia moral e coragem moral podem ser as respostas prontas, mas estes conceitos não satisfazem, pois estes termos não descrevem as qualidades que buscamos. Os homens podem ter coragem nas suas convicções e estar dispostos a resistir a pressões sociais esmagadoras, enquanto, ao mesmo tempo, se comportam de maneira cruel e opressiva. [¼]
[¼] Por outro lado, pode a autonomia moral existir em um universo supostamente governado pela causalidade universal? [¼]
“A autonomia moral não pode significar nem a auto-indulgência, nem um reconhecimento indolor de alguma necessidade abrangente. A recusa a aprender as regras da aritmé- [fim da pág.135] tica não é um ato de autonomia moral, pelo menos no mundo moderno”. O discurso sobre “autenticidade”, “encontrar-se a si próprio” e “desenvolver suas potencialidades [¼] dificilmente guarda alguma relação com autonomia moral (ou transformação social e política), pois essa corrente de pensamento não consegue enfrentar a questão de que as coações são necessárias aos indivíduos em benefício da vida em sociedade, ou à margem desta. A própria palavra ‘autonomia’ é suspeita, à medida que tende a obliterar essas coações reconhecidamente variáveis, e todavia inevitáveis. No extremo oposto, há uma tradição intelectual distinta, que reconhece as coações como inevitáveis, mas define a liberdade humana como o reconhecimento da necessidade. De certo modo, parece inadequado denominar submissão a qualquer coação, não importa quão necessária ou benéfica, autonomia ou liberdade. Tem-se a obrigação moral e intelectual de ser ainda mais desconfiado sempre que parecer que o reconhecimento da necessidade se apresenta como a imposição de pesados sacrifícios a alguém e uma posição privilegiada para aqueles de alguma forma suficientemente espertos para reconhecer a necessidade”.
[¼]
O autor postula três qualidades ou capacidades humanas distintas, mas relacionadas que podem adicionar alguma “energia na alma”. [¼] “A primeira qualidade pode ser ainda chamada de coragem moral, no sentido de uma capacidade de resistir a poderosas e ameaçadoras pressões sociais para a obediência regras ou ordens opressivas ou destrutivas. A segunda qualidade é a capacidade intelectual para reconhecer que as regras e as pressões são de fato opressivas”. [¼] A terceira capacidade, a inventividade moral, é mais rara, e é a capacidade de criar, a partir das tradições culturais vigentes, padrões historicamente novos de condenação ao que existe, e que presumivelmente é uma habilidade que existe em alguns seres comuns, em grau menor.
literatura psicológica para apoiar a explicação desse conjunto de qualidades, um ponto que se sobressai: a  autonomia moral, ela é algo que existe em graus variados e sob condições mais ou menos especificáveis. [¼]
[¼] alguns psicólogos enfatizam o significado das circunstâncias concretas e das situações específicas como principais determinantes do comportamento humano. Em sua expectativa, a maior parte das pessoas se comporta da mesma maneira em situações similares. [¼] Alguns psicólogos salientam o que os leigos denominariam caráter e personalidade, ao distinguir entre as maneiras pelas quais diferentes seres humanos percebem e respondem a circunstâncias externas semelhantes. Para outro grupo de psicólogos, as circuns- [fim da pág.137] tâncias inserem-se na cadeia de causalidade enquanto influências sobre a formação do caráter e da personalidade. [¼]
Dois conjuntos de experiências apresentam demonstrações de quão facilmente se pode criar e manipular pressões de grupo sobre o indivíduo, de forma a suprimir não somente as inclinações humanas mas até mesmo a prova inequívoca dos sentidos. “A essência de ambos os conjuntos de experiências constituía-se em colocar um adulto americano comum numa situação experimental planificada, onde as pressões sociais forçavam o indivíduo a tomar uma decisão contrária às suas inclinações ‘normais’ ou previsivelmente racionais e humanas”. A conclusão foi de que a maioria das pessoas efetivamente cede a tais pressões, mas o que importa para o estudo sobre a injustiça e sobre como a autonomia moral leva a superar obstáculos, são as informações sobre alguns indivíduos que não se renderam às pressões planejadas da situação experimental e as condições em que isto aconteceu e sob as quais os resultados gerais do experimento foram revertidos.

3.3.1      1º experimento: experiência de S. E. Asch

“Revela o poder bastante considerável da pressão de grupo, ele também revela o que dissolve tal pressão. Um único aliado pode fornecer suficiente apoio para capacitar uma pessoa a elaborar um julgamento correto, ao menos nessa situação simplificada”. [fim da pág.139]

3.3.2      2º experimento: Stanley Milgram

O objetivo era descobrir em que ponto e sob que condições os indivíduos cessariam de obedecer à autoridade legítima quando suas ordens se tornavam obviamente cruéis. [fim da pág.140]
[pula a pág. 141 e 142]

“estamos tentando encontrar elementos sobre a desobediência, e especialmente a desobediência baseada em princípios”.
[¼] vale salientar que ocorreu pelo menos um caso de recusa à continuação do experimento básico, que parece ter-se baseado em objeções do princípio à inflição de sofrimento. O autor chama a atenção que não há diferença significativa no comportamento de mulheres e homens nessa situação. [fim da pág.143]
Resistir sozinho à autoridade, e mais ainda a uma autoridade que se define como benéfica, é uma tarefa extraordinariamente difícil para qualquer ser humano. Com apoio social, por outro lado, ela se torna muito mais fácil. Entre todas as variantes do experimento básico, a oferta de apoio social foi de longe a mais eficaz no solapamento da autoridade do “experimentador”.
“Com o apoio de seus pares, a suspeita da cobaia inocente de que poderia estar fazendo algo errado pôde vir à superfície e constituir a base para a ação. Também em alguns casos, como as entrevistas subseqüentes demonstraram, a própria idéia de desobedecer surgiu ao indivíduo inocente, a partir da observação de que outra pessoa não obedecia. É conveniente, portanto, interrogar se tal comportamento realmente representa autonomia moral”.
De acordo com as experiências pode-se concluir que “a autonomia moral pura, na forma de resistência solitária a uma autoridade aparentemente benéfica, é muito rara. Com o apoio dos pares, por outro lado, o mesmo tipo de resistência cresce enormemente. Esses fatos correspondem ao que é possível observar no mundo real e lançam bastante luz sobre o porquê desse acontecimento. O que os dados revelam é a importância [fim da pág.144] do apoio social para o raciocínio moral correto. Mesmo com apoio social, por outro lado, o indivíduo tem reconhecer a natureza correta do raciocínio e agir de acordo com ela”.
[¼]
“Interpretados em termos de situações da vida real, esses dados mostram que uma disposição para obedecer ordens legitimadas mas opressivas é passível de declinar rapidamente, se a situação permite ou exige uma percepção dos sofrimento das ‘vítimas’. Então, a possibilidade de identificação com a “vítima” aparece. Este fato em si não é surpreendente. Os encarregados de manter a ordem em uma população hostil, geralmente zelam para que seus subordinados tenham um mínimo de contato com aqueles que supostamente devem controlar”. Esse [fim da pág.145] material demonstra o imenso poder que essa empatia pode ter sob Circunstâncias apropriadas. A desobediência nas variações do experimento foi um ato solitário, assumido em oposição a uma figura de autoridade definida como benéfica, com a qual a Cobaia assumiu uma obrigação de tomar parte voluntariamente na “experiência”, e que lhe assegurou que a “vítima” não estava sofrendo nenhum dano real. É surpreendente que a desobediência tenha acontecido, e mais ainda que tenha ocorrido em tal escala. “Evidentemente, a empatia sob condições apropriadas pode transpor os mais poderosos obstáculos. Combinar os resultados aqui discutidos com o material sobre as conseqüências da revolta de seres semelhantes, no solapamento da autoridade, permite-nos uma interpretação da experiência em seu conjunto bastante diferente da ênfase de Milgram nos riscos inerentes à tendência humana de obedecer”.
[¼] No laboratório, “a empatia que se mostrava eficaz exigia estreito contato físico e, quase certamente, muitos outros fatores difíceis de especificar de forma acurada. A experiência cotidiana é suficiente para demonstrar que a íntima associação com outra pessoa [¼] dificilmente é eficaz em si, para a criação da identificação simpática. Além disso, é alarmantemente fácil destruir a percepção de que outro ser humano sofre com uma experiência do mesmo modo que nós sofreríamos. A prática generalizada da tortura é suficiente para evidenciá-lo. [¼] Por si sós, o amor, a identificação simpática, a empatia, ou seja qual for a nossa escolha para denominar essa emoção ou série de emoções fugidias, ela não é, em nenhuma parte, suficiente para manter unida qualquer sociedade humana mais ampla ou para fazê-la funcionar. [¼] Mas não conseguirá trazer água e alimentos para as cidades, nem tirar o lixo das ruas”.
[¼] A variante mais significativa tem importantes aplicações quanto à noção de que os homens são, por natureza, cruéis e agressivos. Num certo ponto, no curso das experiências, veio à luz a sugestão de que as cobaias bem poderiam gostar de infligir choques em vítimas indefesas. [¼] [fim da pág.147]
“[¼] Num exame cuidadoso, essa série de experimentos em psicologia social, juntamente com a de Asch, indica que há quase tantas maneiras de dissolver uma atmosfera social opressiva que sufoca a autonomia moral, quanto há de criar uma tal atmosfera. As capacidades humanas puras e sua manipulação técnica parecem ser quase neutras. Os obstáculos à autonomia moral provêm basicamente do fato de que as oportunidades de controlar essa atmosfera são desigualmente distribuídas em sociedades hierarquicamente organizadas”. [¼]
“Para um número razoável de críticos da sociedade industrial moderna, a afirmativa de que as oportunidades de controlar a atmosfera social são ‘desigualmente distribuídas’ poderia parecer uma asserção parcial e grotescamente cômica. [fim da pág.148] De acordo com uma tradição crítica familiar, a moderna tecnologia e os meios de comunicação de massa criaram possível a manipulação das atitudes humanas numa escala até agora inimaginável. Desse modo, eles supostamente ajudaram a destruir a própria possibilidade de julgamento moral e político independente, nas sociedades industriais adiantadas”.
“A principal impressão que tais estudos transmitem e a população norte-americana não é nem dominada, sofre lavagem cerebral, por parte dos meios de comunicação de massa. Em geral, a maior parte das pessoas não presta atenção ao que os media têm a dizer, se elas não estão interessadas no assunto já de inicio, como ocorre bastante freqüentemente. Os resultados de pesquisas sobre a interpretação popular das mensagens dos meios de comunicação e sobre a falta de atenção para essas mensagens reforçam a impressão de que as pessoas comuns formam seus ideais a partir de suas experiências imediatas, e não a partir dos meios de comunicação de massa, ou não em grande medida a partir deles. Dados semelhantes sobre a ausência de atitudes ‘políticas’ também indicam que as pessoas não têm idéias, ou as têm ao acaso, em áreas distantes de suas preocupações imediatas do dia-a-dia”. É certo que eventos dramáticos, como o assassinato do presidente Kennedy, capturam efetivamente a sua atenção. Mas, por outro lado, elas interpretam esses acontecimentos em termos bastante pessoais. Repetidas vezes, os investigadores do efeito dos meios de comunicação de massa enfatizam a importância das predisposições emocionais e intelectuais prévias da audiência, de seu equipamento intelectual, no sentido de armazenamento de conhecimentos, quadro de referência conceitual e estado de espírito. [fim da pág.149]
“Em outras palavras, é impossível inferir o efeito dos media apenas a partir de seu conteúdo. Informações disponíveis sobre o nível de atenção dado às campanhas políticas nos Estados Unidos não sustentam nenhuma concepção forte sobre a exposição seletiva às mensagens políticas. As pessoas, se é que se interessam pela política, concentram de fato considerável atenção em mensagens opostas às suas opiniões anteriores. Essa constatação sugere que pontos de vista radicais e não respeitáveis podem se filtrar, atraindo de início a atenção nos limites da respeitabilidade. A capacidade para aceitar (ou talvez ignorar) idéias contraditórias vem à tona de maneira vívida em um estudo sobre uma amostra de membros de sindicatos, formada principalmente por católicos. Os líderes sindicais eram, por sua vez, comunistas. O jornal local dava apoio à visão da Igreja sobre as relações EUA-URSS, ao passo que o semanário do sindicato local e os lideres do mesmo sustentavam a linha comunista. As fileiras sindicais que não mostravam preocupação com política nem mesmo estavam conscientes de tais contradições. É possível supor que elas reagiriam de modo bastante diferente face a temas locais ‘quentes’”.
Assim, esses dados lançam uma dúvida considerável sobre a imagem orwelliana da sociedade industrial moderna como cultural e intelectualmente teleguiada, a partir de alguns pontos ou de um ponto central[CB4] . [fim da pág.150] Os obstáculos à autonomia moral, podemos concluir, derivam de causas mais materiais, como a distribuição desigual de riqueza e de poder.
“Quando deixamos essas preocupações com as pressões grupais e institucionais sobre os indivíduos maduros, para nos voltarmos aos estudos relativos a como o indivíduo torna-se maduro e adquire um caráter ou personalidade, a primeira impressão que fica é a de uma insustentável discordância entre diferentes escolas de psicologia. [¼] Em um pólo, o leitor simpaticamente curioso encontrará extremo ceticismo sobre a possibilidade de existência de qualquer coisa semelhante à autonomia moral. A razão primordial que há por trás desse ceticismo é uma crença na insuperável importância de situações específicas e concretas, com suas recompensas e punições, como as determinantes básicas de todo o comportamento humano, incluindo aquele que possa ser rotulado como moral. Esta é uma questão importante. Se não existisse nenhuma continuidade e nenhum padrão discernível para o comportamento da maioria dos indivíduos, realmente não poderia haver qualquer coisa que pudesse se assemelhar à autonomia moral”.
“Há algo de suspeito quanto a essa forte ênfase nas circunstâncias distintas, por mais poderosas que elas certamente possam ser. A observação comum das vidas de pessoas que conhecemos há muito tempo revela um padrão característico para a forma como elas reagem às circunstâncias. Algumas pessoas levantam-se para questioná-las e para tentar superá-las. Outras as evitam. Algumas pessoas estão inclinadas a dizer a verdade mesmo quando embaraçosa. [fim da pág.151] Outras tentam mentir ao enfrentar situações minimamente difíceis”.
“Esse conhecimento de domínio comum está profundamente incrustado na linguagem, nos termos utilizados para descrever o caráter e a personalidade humanos. Certamente, o conhecimento comum pode ser uma das referências mais perigosas para a reflexão séria sobre os homens. Ele está repleto de preconceitos, falsas inferências, estereótipos, mistificações e outras coisas mais. Não obstante, os esforços de precisão científica, com o propósito de superar esses defeitos, podem impor seus próprios antolhos e limitar a acuidade de nossa visão. Eu suspeito que: 1) a resistência a conceitos como a internalização das normas (um acréscimo bem pouco elegante ao idioma inglês); 2) a ênfase nas circunstâncias com o determinante do comporta­mento humano podem advir de uma super-imersão na atmosfera do laboratório ou de uma fé sem garantias no poder deste para descrever o comportamento humano”.
[¼] [fim da pág.152]
[¼] pula pág. 153.
“[¼] O ponto de chegada de duas correntes diferentes da psicologia é similar. “Ambas as escolas vêem o desenvolvimento humano como se dirigindo para uma estrutura de caráter e uma personalidade moralmente autônomas, embora de modo algum sempre as atingindo. Quando e se os seres humanos atingem a sua potencialidade plena, eles são capazes de dar e receber afeto. Eles também percebem e aceitam as regras morais não como algo decidido pela autoridade superior, seja divina ou humana (embora na visão freudiana essa forma de obediência jamais desapareça completamente), mas como um corpo de normas livres e racionalmente aceitas, bem como passíveis de crítica racional e de transformação, em benefício da vida em comum na sociedade. Ambas as tradições acentuam a capacidade de opção racional e crítica como a base para a obediência e a desobediência fundadas em princípios, enquanto estágio final de desenvolvimento, além de situarem as formas mais emocionais de desobediência e de obediência em estágios específicos da trajetória da maturidade”. [¼]
Embora o estágio final de autonomia moral soe, às vezes [¼] mais como um ideal que como uma realidade [¼]. Em todo caso, para os propósitos da investigação de Moore Jr., o percurso é mais importante que o destino e é constituído de uma série de estágios. O número e a descrição dos estágios variam grandemente de acordo com os interesses de [fim da pág.154]investigadores diversos e com as considerações que eles desejam enfatizar. O traço comum na concepção dos estágios é a tese de que cada uma das fases de crescimento é construída sobre as realizações da etapa precedente ou é dada por fracassos em completar as etapas anteriores. De forma alguma todos os seres humanos completam todas as fases; Recuos e regressões limitados podem ocorrer, e o retrocesso em seu conjunto pode ser interrompido. O crescimento paralisado ou deformado é de fato muito mais comum que uma passagem bem-sucedida para a maturidade. Não obstante, os que trabalham no interior dessa tradição defendem que os processos de amadurecimento psicossexual e moral exibem efetivamente características universais. Essas emergem da interação entre as necessidades humanas manifestas e as capacidades e experiências universais derivadas da vida na sociedade.
Passando a temas e estudos mais específicos, podemos iniciar com uma tese estabelecida sobre a infância, que oferece um exemplo negativo, especialmente esclarecedor. Parece evidente que um ambiente infantil, onde o afeto está ausente e as punições são brutais, freqüentes e erráticas causar danos à psique humana, num nível que tende a irreparável. Para a pessoa que cresce num ambiente assim, a autonomia moral é uma perspectiva altamente improvável. Em Children Who Hate (Crianças que odeiam), Fritz Redl e David Wineman apresentam um relato vívido e patético de uma tentativa de reabilitar um grupo de crianças, provenientes de um passado miserável. Esses adolescentes exibiam irrupções constantes e incontroláveis hostilidade uns frente aos outros e em relação aos adultos, obviamente pessoas muito amáveis e compreensivas que davam o melhor de si para cuidar dos jovens, num ambiente experimental que era tão ameno quanto fora severo o passado. [fim da pág.155]
“Tais explosões de hostilidade originavarn-se da circunstância de que esses adolescentes tinham perdido quase por completo a capacidade de adquirir qualquer coisa que se assemelhasse a um mínimo de controle sobre seus impulsos e desejos. Sempre que um impulso fosse frustrado, a criança perdia a cabeça. Até mesmo a mais leve frustraçãoo do tipo inevitável na vida ordinária, tal como a necessidade de parar diante de um sinal de tráfego no vermelho, poderia desencadear uma série de ataques de fúria. Ao mesmo tempo, as crianças conseguiram adquirir um vocabulário de obscenidades suficientemente rico para dar inveja a um adulto com ampla experiência de mundo. Elas também demonstravam uma notável inventividade, de tempos em tempos, no atormentar os mais velhos que lhes dispensavam cuidados. É desnecessário salientar que o tratamento oposto de completa indulgência diante de todos os impulsos e caprichos não era nem exeqüível nem passível de conduzir a conseqüências desejáveis”.
“Outros estudos confirmam e ampliam esses resultados, fornecendo evidências sobre o tipo de educação que favorece a autonomia moral e o tipo que tende a produzir aquilo que se tornou amplamente conhecido como personalidade autoritária. O caráter racional-altruísta descrito por Robert F. Peck era o produto da educação coerente, altamente confiante e carinhosa. [¼] Os pais se reservavam firme e inequivocamente o direito de tomar decisões finais quando achavam necessário. Por outro lado, à medida que a criança crescia e se tornava mais competente em seus juízos, os pais a encorajavam a tomar um número cada vez maior de decisões por sua própria conta, esperando que o fizesse. Em outras palavras, essas famílias não eram ‘centradas nas crianças’”. [fim da pág.156]
“[¼] As punições aconteciam. No entanto, eram relativamente indulgentes e jamais constituíam uma expressão direta ou disfarçada da hostilidade dos pais. Onde tal hostilidade era mais freqüente e livremente expressa, uma conseqüência provável era a retenção do desenvolvimento moral num estágio anterior, próximo ao tipo autoritário de personalidade. A principal característica desse tipo é uma acentuada dependência de fontes externas de autoridade convencional, associada com atitudes punitivas com respeito à “fraqueza” e à imoralidade”.
O fato de que a punição em si possa ser um poderoso estímulo para o aprendizado é atualmente parte do corpo de doutrina psicológica vigente, em contraste com as doutrinas antes aceitas, dispondo de uma soma substancial de sustentação experimental, sem mencionar o próprio senso comum persistente. (?) Há também indícios de que as formas de disciplina diretamente punitivas, baseadas em ataques diretos físicos ou verbais, são menos eficazes que uma combinação da retirada de afeto com a explicação das razões de tal privação, como forma de induzir um controle autônomo sobre o comportamento das crianças. A explicação oferecida para essa descoberta enfatiza o papel da angústia. A angústia produzida pela retirada de afeto por parte dos pais depende menos da presença paterna contínua ou de sua presença física, sendo portanto mais passível de se tornar [fim da pág.157] parte da personalidade, que a angústia criada pela punição física e direta pelos pais.
“É de certa forma mais surpreendente descobrir evidências no sentido de que a estrita coerência na aplicação das punições e recompensas pode não ser a forma mais efetiva de ensinar um modelo particular de comportamento. É mais provável que uma resposta se torne firmemente estabelecida passando a ser o que poderíamos denominar de parte da personalidade, se as recompensas por esse tipo de comporta mento forem mais ou menos erráticas. Com um pouco de reflexão, não é difícil discernir como aquilo que os leigos chamariam de firmeza de caráter poderia surgir da recompensa intermitente e não da coerente. Para recorrer a uma explicação simples, o primeiro processo é biológico, sobre­tudo adaptativo. [¼]  Entretanto, também vale a pena notar que os seres humanos exibem aparentemente uma forte preferência por terem as suas recompensas e punições sob seu próprio e claro controle”. [fim da pág.158 e pula a 159]

3.4      Inevitabilidade e o sentido da injustiça


Observa-se que: “em graus variados e modos diferentes, todas estas pessoas sentiram seus sofrimentos como inevitável e legítimo. As pessoas tendem a conferir legitimidade a qualquer coisa que seja, ou pareça ser, inevitável, não importa quão dolorosa. Caso contrário, a dor poderia ser intolerável. A conquista deste sentido de inevitabilidade é essencial para o desenvolvimento da indignação moral politicamente efetiva” (p.622)
O máximo que podemos afirmar com considerável confiança é que o sofrimento sob as formas de fome, violência física ou privação dos frutos do trabalho árduo é, de fato, objetivamente doloroso para os seres humanos. Eles não buscam o sofrimento como fim... Assim, “se nenhuma cultura faz do sofrimento um fim em si mesmo, e todas as culturas tratam certas formas de sofrimento como inerentemente dolorosas, podemos considerar a ausência da dor sentida como devida a certa forma de anestesia moral e psicológica.” (p.623)
A tarefa imediata é determinar como os seres humanos despertam da anestesia, como eles superam o sentido de inevitabilidade, e como o sentido de injustiça o substitui. (p.624)
Nesse processo de crescimento e emancipação, pode-se distinguir três processos distintos, porém relacionados. Ao nível da personalidade individual, é necessário superar certas formas de dependências dos outros e adquirir ou fortalecer controles sobre os impulsos... Elas também têm de superar a dependência ao nível da organização social.... Ao invés de funcionar em cooperação com e apoiar os grupos dominantes, será necessário descobrir formas de usa-la contra estes grupos... Finalmente, ao nível de normas culturais e percepções partilhadas, será necessário superar a ilusão de que o presente estado de  coisas é justo, permanente, e inevitável.” (p.626)

Personalidade individual:
“E é muito difícil usar uma máscara ou desempenhar um papel continuamente sem adquirir as características que acompanham a máscara ou papel.” (p.629)
“Evidentemente o domínio racional dos impulsos e desejos requer muito mais que a mera pregação burguesa. Ganhar controle sobre os próprios impulsos é parte do aprendizado humano de resistir à autoridade opressiva e lutar contra os aspectos físicos e morais de um meio áspero e degradante. É parte do aprendizado resistir à  autoridade moral do opressor, dizer a si mesmo que as punições do opressor são injustas. A criação de novos padrões morais e sua incorporação à personalidade do oprimido são parte de todo um processo.”  (p.632)

Os aspectos sociais:
“É possível imaginar-se uma melhoria na capacidade da sociedade de  produzir e trocar bens e serviços, ocorrendo de tal forma que todos os setores da população ganhem igualmente, e sem que haja, portanto, quaisquer pressões de mudanças institucionais. É concebível que esta mudança ocorra em algum lugar no futuro. Todavia, ela ainda não ocorreu em  lugar nenhum, e é pouco provável que ocorra porque qualquer melhoria como esta certamente acarretaria mudanças significativas na divisão do trabalho e, conseqüentemente, nos sistemas de autoridade, bem como nos processos de distribuição de bens e serviços entre a população.” (p.634)
Moore difere de Marx na afirmação que as mudanças econômicas necessariamente causam a mudanças sociais e intelectuais. “Algumas vezes elas podem causar, outras não, e a causalidade pode ir na direção oposta. [...] Sistemas de idéias e significados culturais também exigem uma dinâmica de mudança bastante própria que pode ter conseqüências muito significativas para as instituições econômicas.”(p.635) [...] Assim, “Sem sentimentos e indignação morais fortes, os seres humanos não agirão contra a ordem social. Neste sentido, as convicções morais se transformam num elemento igualmente necessário para a mudança da ordem social, em conjunto com as alterações na estrutura econômica.”
“É altamente improvável que os benefícios de um crescimento da capacidade produtiva beneficiem igualmente todos os setores da sociedade. Um crescimento da capacidade produtiva não é o mesmo que uma mudança na capacidade de uma sociedade em resolver seus problemas – ou, em fazer com que as causas do sofrimento humano duradouras se transformem em problemas [...] Outras coisas têm de acontecer, e freqüentemente acontecem, para que padrões de condenação surjam e se estabeleçam.” (p.636) [...] “O ingrediente seguinte, que  parece indispensável, é um marcado aumento do sofrimento do extrato mais baixo. Para que os padrões de condenação se firmem, o sofrimento tem de crescer rápido o suficiente  para que as pessoas não se acostumem a ele. É importante que as causas do sofrimento sejam novas e não familiares, e atribuíveis aos atos de pessoas concretas facilmente identificáveis.” (p.637).
Logicamente, outras mudanças têm de acontecer para que as mudanças que reduzem o sofrimento humano ocorram. A ruptura tem de estender-se para a classe dominante, de forma que alianças entre elementos das classes dominante e dominada se possam fazer.[...] Ao mesmo tempo, para que os padrões de condenação tomem forma, alguns elementos da classe dominante devem aparecer como parasitas para as classes baixas, como não contribuindo para o funcionamento da ordem social e, conseqüentemente, violando o contrato social implícito. (p.638).
“Desde o tempo dos apóstolos, e talvez antes, nenhum movimento social aconteceu sem que seu exército de pregadores e militantes espalhassem as boas novas de libertação das dores e males deste mundo. É sempre uma minoria ativista que promove e promulga novos padrões de condenação[...] Geralmente eles são relativamente jovens e livres de obrigações e laços sociais[...] Sua tarefa é encontrar e articular os descontentamentos latentes, desafiar a mitologia dominante, organizar para um confronto com as forças dominantes em torno de si. Os agitadores de fora fazem o trabalho árduo de minar o velho sentido de inevitabilidade.” (p.640)
“No geral, multidões são formas de comportamento humano coletivo que surgem fora da estrutura institucional normal, fora dos elos usuais de obediência política, obrigações de trabalho e coisas semelhantes. Elas são férias da sociedade normal”. (p.649).
“Para que qualquer transformação social e moral ponha-se a caminho, parece haver um pré-requisito: o espaço social e cultural dentro da ordem predominante. Uma sociedade com espaço cultural e social fornece encraves mais ou menos protegidos, onde grupos insatisfeitos ou oprimidos têm condições de desenvolver ajustes  sociais distintos, tradições culturais e explicações para o mundo ao redor. O espaço cultural e social implica condições de experimentar construir o futuro.” (p.653)
“A noção de inevitabilidade implica a concepção de um universo regido, ao menos em parte, por forças cegas do destino, basicamente não suscetível à vontade e à ação humanas.” (p.662)
“Portanto, parece que o conceito de inevitabilidade é, em si, o produto de uma longa evolução histórica... O mito e a religião também aparecem ter intensificado a conexão de causalidade e da inevitabilidade e julgamentos morais. Aí, também, como nos casos da causalidade e da inevitabilidade, um elemento de tensão permaneceu, na medida em que a condenação moral implicou a possibilidade de um ator humano poder agir de forma contrária e, portanto, escapar de alguma forma da causalidade. Estas perplexidades permanecem até hoje, e a  noção de inevitabilidade ainda carrega implicações morais. De forma diferentes, tanto conservadores quanto revolucionários usaram a noção para fortalecer suas próprias esperanças do futuro.” (p.664).
Para cada estado ou ordem, o estilo de vida prescrito especificava um código moral apropriado e distinto e, em muitos casos, um tipo específico de personalidade. [...] Por outro lado, havia também fortes sanções sociais para impedir os indivíduos de adotarem um modo de vida inapropriado a seu estado, quer por ser alto, quer por ser baixo. A moral era explicitamente socialmente determinada, e embora estes sistemas não fossem, em absoluto, inflexíveis, um ar de permanência e inevitabilidade os permeava de fato.” (p.666)
Os membros ativos da burguesia foram os maiores beneficiários das mudanças políticas resultantes as revoluções.
Os novos princípios eram igualitários apenas no sentido de que eram dirigidos contra as antigas formas de privilégio. Tanto na intenção, quanto nas conseqüências, eles eram ainda princípios de desigualdade social. As recompensas da sociedade deveriam ser distribuídas de acordo com o “mérito”, principalmente o mérito demonstrado pelo sucesso do mercado. (p.668)
No famoso princípio “cada um, segundo suas necessidades” e “de cada um, segundo suas habilidades”, o marxismo ainda admite as desigualdades humanas. Mas é um princípio que rejeita por completo o mercado como um meio de medir o valor humano. Até agora, é claro, nenhuma sociedade atingiu esse objetivo, e há muitas razões para se continuar cético sobre sua possibilidade. (p.669)
Ver pg 670 (resumo importante)
Outros tópicos Capítulo 15 e  epílogo:

Reciprocidade:
“Sem o conceito de reciprocidade torna-se impossível interpretar a sociedade humana como conseqüência de outra coisa que não a força e a fraude perpétuas... Se a reciprocidade perfeita existisse, a nossa sociedade seria mantida por uma série de obrigações relacionadas, cujos desempenhos seriam iguais em valor, segundo um critério universalmente aceito. Aqueles no exercício da autoridade desempenhariam certas tarefas de coordenação social, cujo valor seria igual às obrigações dos subordinados de lealdade, obediência, impostos, serviço militar, etc. A divisão do trabalho e a distribuição de bens e serviços na sociedade também ocorreriam através da troca de bens e serviços, cujos valores seriam equivalentes. É obvio que nenhuma sociedade funciona desse modo, e nem parece haver probabilidade de alguma vir a funcionar assim.” (p.682)
Porém, “os seres humanos, segundo farta evidência, não querem este tipo de sociedade. Mais precisamente: eles, com freqüência, querem para si e para seus associados imediatos uma situação melhor que a reciprocidade poderia produzir. Outros, é claro, aprendem a viver com menos.” (p.683)
“A reciprocidade e a coordenação não se desenvolvem espontaneamente, exceto, talvez, de forma limitada entre grupos pequenos de contato pessoal bastante contínuo. Caso contrário, há uma tendência contínua à erupção dos interesses egoístas do indivíduo e do grupo.” (p.683).
Conceber a regra da reciprocidade como alguma espécie de tendência automática para a restauração de equilíbrio social baseado na troca justa seria uma idealização grosseira do que realmente ocorre. Na prática, as violações da reciprocidade são lugar-comum em todos os níveis de civilização. (p.684)
“Por outro lado, reis, homens de estado, procônsules, capitães de indústrias, outros que criam novas formas de dominação e divisão do trabalho, geralmente justificam seus atos na linguagem da reciprocidade... No geral, governantes e grupos dominantes falam em termos de reciprocidade para enfatizar sua contribuição às unidades sociais que dirigem, e para louvar as virtudes e necessidades de relações harmônicas aí. Dessa forma, a noção de reciprocidade rapidamente se transforma numa forma de mistificação, num revestimento ideológico da exploração. No entanto, o mero fato de seu uso como retórica ideológica constitui evidência significativa de seu papel central no código universal. “ (p.685). Este uso também testemunha seu apelo generalizado, seu possível papel como idéia fundamental por detrás de concepções populares de, justiça e injustiça, igualdade e deseigualdade.
Há concepções populares de reciprocidade não funcionam em termos de equivalências exatas retribuídas uniformemente à moda de um economista. Na realidade, “é uma concepção que absolutamente não exclui a hierarquia e a autoridade, onde quantidades e defeitos excepcionais podem ser fonte de enorme admiração e temor. Ao mesmo tempo, é uma concepção onde se espera idealisticamente que serviços e favores, confiança e afeição, encontrem um equilíbrio rudimentar.” (p.687)
Conclusão importante: “A ira contra a autoridade que não cumpre suas obrigações, que não sustenta sua palavra e a fé dos subordinados, pode ser uma das emoções humanas mais potentes e pode derrubar monarcas” (p.687)
A noção de reciprocidade mais comum,  “é quando ela aceita a existência da hierarquia e da autoridade ao mesmo tempo em que tenta fazê-las se conformarem a um padrão idealizado e como deveriam se comportar. Dessa forma, aceitam-se as obrigações, mas elas deveriam ser de natureza recíproca. Para obrigações do subordinado deveria haver correspondentes para o governante, e todo deveria redundar no benéfico para a comunidade.” (p.687)
“Na história humana até hoje houve simplesmente sucessão de formas de autoridade: novas formas substituíram, de maneira bastante eficaz, outras que se tornaram historicamente obsoletas.” (p.687)





[1]  (25) “Os modernos antropólogos estão inclinados a desconsiderar o significado dos direitos de propriedade entre os povos não letrados, com o argumento de que, nas sociedades simples, a terra, os alimentos, a água, as ferramentas, os ornamentos, quase tudo, na verdade, é, como salienta Morton Fried, “imediatamente acessível a todos, seja de tal forma móvel a ponto de prevenir problemas de posse. Igualmente clara é a prevenção do furto. ... Na realidade, numa sociedade igualitária simples, tomar alguma coisa antes que ela seja oferecida é um ato mais aparentado à rudeza que ao furto”. Ver Fried, The Evolution of Political Society, pp. 74-75. Tal afirmativa, embora apoiada por alguma evidência, parece ser exagerada. Cf. Gluckman, BarotseJurisprudence, ~ 151, 162, 163, sobre os direitos de propriedade e as relações de status na sociedade dos barotses. Numa ampla coleção de exemplos variados apresentada por Edward Westermarck, um dos remanescentes da escola evolucionista de antropólogos, há diversos casos retirados de sociedades simples onde é nítido que sanções bastante severas, incluindo em certos casos a morte, são atribuídas ao furto contra membros da tribo. Ver Westermarck, The Origin and Development ofthe Moral Ideais, II, pp. 4-12”.
[2] A expressão se refere a uma fábula de Esopo, na qual o cão impede um boi de comer o feno que ele próprio não quer; aplica-se àquele que impede a ou­trem de utilizar o que para ele mesmo não tem uso. (N. 1.)


 [CB1]Discussão da página 3 do trabalho.

 [CB2] Serve para corroborar o desejo de distinção, diferenciação trabalhado por Simmel.

 [CB3] Para o trabalho de Mauro.

 [CB4] Ponto em comum com o livro sobre Teoria da Comunicação de Thompson (pp.30s), quando afirma que a influência da mídia homogeiniza opiniões. Boas referências na nota de rodapé de B. Moore Jr., pp. 149-50.

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O Ex-librista se destina a discussões literárias e de assuntos das ciências humanas.