"Ex libris" significa "dos livros de", é também uma vinheta que se cola nos livros com o nome do proprietário. O BITS, Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e Práticas Sociais, é a vinheta sob a qual discutimos interesses diversos ligados às Ciências Humanas e realizamos nossas leituras sobre o mundo atual. Reforçamos aqui este caráter de buscador de conhecimentos, de reflexões sobre o mundo e a vida nessa sociedade digital.

quinta-feira, setembro 02, 2021

Pesar

Este domingo (29/08/2021) fomos surpreendidos com a notícia do falecimento do Prof. Mauro Koury. Com o seu desaparecimento, abre-se uma lacuna na Sociologia e Antropologia brasileiras notadamente nas pesquisas sobre Sociologia da Imagem e Sociologia das Emoções. 

Mauro sempre teve a capacidade de identificar abordagens originais, tanto na Sociologia quanto na Antropologia. Foi assim que abrigou minhas temáticas de pesquisa no mestrado, quando eu quis pesquisar sobre a Ideia de progresso através das lentes dos fotógrafos paraibanos do final do século XIX e início do século XX (1994-1996) e posteriormente quando iniciou minha orientação quando eu quis trabalhar uma temática pouco usual na sociologia sobre o Sofrimento Social novamente através das lentes jornalísticas na Folha de Pernambuco (2000-2004). Neste período, ele iniciava seus dois grupos de pesquisa GREI - Grupo de Estudos sobre Imagem e o GREM - Grupo de Pesquisa em Sociologia das Emoções, mais tarde incorporando o termo Moralidades, que ganharam dimensão muito maior posteriormente, graças a sua capacidade de trabalho e de agregar pessoas em volta de seus projetos.

Fortaleza (2014)


II Simpósio Interdisciplinar de Pós-Graduação em
Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN, 2014)



V Reunião Equatorial de Antropologia /
XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste (Maceió, 2015)

V Reunião Equatorial de Antropologia /
XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste (Maceió, 2015)

V Reunião Equatorial de Antropologia /
XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste (Maceió, 2015)


Passeio à praia de Cumbuco - CE (2015)

A última vez que nos encontramos pessoalmente foi em um passeio à praia de Cumbuco - CE, em 2015. Dia agradável para celebração de uma amizade que surgiu a partir de discussões acadêmicas, dos trabalhos e cobranças relativas à atividade científica, porém se consolidou ao longo dos anos para reuniões ao redor de uma mesa de bar, de bons papos e troca de ideias sobre a vida. Eventualmente Mauro veio cumprir compromissos acadêmicos na universidade, e algumas vezes nem chegamos a nos encontrar no mesmo espaço. Nossos contatos, nos últimos anos, eram conversas através de whatsapp nas tardes de domingo para trocar impressões sobre as banalidades da vida. Vou sentir muita falta dessas trocas de ideias, quando a gente deixava disparar a imaginação sociológica e traçar projetos que talvez nem se realizassem.

Descanse em paz professor, mestre e amigo Mauro Koury.

domingo, agosto 22, 2021

Galeria de Arquitetura

 O NORTE - DOMINGO - 2 DE JANEIRO DE 1994    VARIEDADES - 2°. 2


Jornal O Norte
   
        Já faz uns bons vinte e sete anos que escrevi esse texto para o Jornal O NORTE de João Pessoa. Havia a vontade de discutir pequenos problemas urbanos, algumas pequenas coisas que quase passam despercebidas na lida cotidiana, mas que somos surpreendidos ao nos darmos conta que não moramos em outra cidade e que talvez a cidade da memória é imaginária. Vão se perdendo o convívio nos espaços públicos e vamos ficando cada vez mais prisioneiras dos nossos medos e das inseguranças, prisioneiros de uma bolha. Havia mesmo a vontade de ser uma observadora da consistente da cidade, uma flaneur, porém o espírito aventureiro de flanar nos espaços, muitas vezes, com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço (hoje algo fora de moda) foi desaparecendo. Talvez com a fotografia eu tivesse mais a dizer e sempre perdia a noção do tempo ao observar a vida mediada por uma objetiva.


Por uma teoria do direito e rock: representações do direito no rock de Raul Seixas

 


OLIVEIRA, Amanda Muniz. Por uma teoria do direito e rock: representações do direito no rock de Raul Seixas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

    Resultado da pesquisa de mestrado de Amanda Muniz Oliveira, o livro "Por uma teoria do direito e rock: representações do direito no rock de Raul Seixas" é uma obra interessante que pode ser inserida nos chamados "estudos sociojurídicos": pesquisas que analisam as interações entre direito e sociedade. Nesse paradigma, o direito é compreendido como fenômeno social, que, ao contrário de configurar-se como apartado ou isolado da realidade, está em constante diálogo com ela. Mais que isso, essas investigações consideram o direito não apenas como o conjunto de normas produzidas no âmbito estatal, considerando também aquelas produzidas em relações cotidianas, instituições não-estatais e mesmo relações subjetivas entre diferentes grupos e o poder público.  Nesse sentido, Oliveira explora, nesse livro, as representações feitas sobre o direito nas músicas de um dos ícones mais marcantes da cultura pop brasileira no século XX: Raul Seixas.

CONTEXTO
    
    Oliveira contextualiza seu livro na área de estudos conhecida como "direito e literatura" ou "direito e arte", mas parte sua investigação a partir de limitações que percebe no contexto geral desses estudos. Ela critica o foco desses trabalhos na descrição de narrativas jurídicas em obras clássicas e eruditas, especialmente da literatura internacional. Pouco espaço tem sido dado à cultura de massas, embora essa tenha um maior potencial de diálogo com o público. O campo que poderia ser delimitado como "direito e música", assim, seria promissor, havendo muito o que ser explorado no que diz respeito a representações do fenômeno jurídico. 
    No livro, a autora propõe-se a abrir caminhos para os estudos em "direito e música", reconhecendo as interações entre cultura pop e sociedade a partir da ótica dos estudos culturais críticos. Sua intenção central, portanto, não é a de inserir-se nos estudos sociojurídicos sobre relações subjetivas entre direito e sociedade, embora também o faça, mas a de explorar as possibilidades de pesquisas jurídicas a partir de obras musicais.

POR QUE ESTUDAR O ROCK?

    No segundo capítulo, Oliveira explora discussões sobre a possibilidade (e utilidade) do estudo de elementos da cultura pop, a exemplo de ritmos musicais como o rock. Ela contextualiza o debate nas tensões entre os pensamentos da Escola de Frankfurt (especialmente os textos de Theodor Adorno) e os estudos culturais (em especial os da Escola de Birmingham). 
    Por um lado, Adorno veria a mídia e em particular a música (não apenas a de massas, mas também a erudita) com um olhar pessimista. Para ele, a indústria musical articula-se com o objetivo de reforçar a alienação do público, em uma estratégia de manutenção da ordem vigente, desfavorecendo os interesses dos mais vulneráveis na luta de classes.
    Por outro lado, os estudos culturais desmistificam a imagem da audiência passiva reforçada por Adorno. Independente das intenções que orientam a produção de uma obra musical ou qualquer outra mídia cultural, o público não necessariamente o recebe acriticamente. Isso também não implica, por outro lado, em uma percepção ingênua do público como blindado contra influências exercida pela mídia de massas. Essas relações envolveriam, portanto, diálogos marcados por contingências: uma obra musical transmite uma mensagem que não necessariamente será absorvida ou acatada pelo público; a sociedade partilha valores e ideias que não necessariamente serão incorporadas pela mídia de massas. Mesmo assim, ainda mais considerando-se o objetivo de lucro da indústria cultural, ocorrem diálogos bilaterais nesse processo, sendo possível perceber modulações da mídia aos interesses de seu público.
    Oliveira conclui seu capítulo analisando a história do rock enquanto gênero musical: suas diferentes vertentes, seus ícones e seus marcos temporais relacionam-se fortemente com o contexto sociopolítico daquele momento. Estudar obras musicais e, no caso desse livro, composições de rock, pode possibilitar a compreensão de algumas interações, movimentos e subjetividades de grupos sociais em uma determinada época.

DIREITO E MÚSICA: COMO ESTUDAR

    No terceiro capítulo, a autora apresenta sua revisão bibliográfica de pesquisas na área de direito e música, explorando suas potencialidades e limitação. Ela organiza o estado da arte em cinco perspectivas: "direito, música e interpretação"; "analogias entre direito e música"; "direito e teoria musical", "direito, música e sociedade" e "críticas às abordagens entre direito e música".
    A primeira perspectiva reúne trabalhos preocupados em compreender estratégias de interpretação empregadas no direito a partir de conceitos da interpretação na música. Oliveira avalia que esses estudos concentram-se no fenômeno de interpretação em si, levado a um sentido amplo, e as interações entre direito e música, e mesmo o estudo de direito ou música enquanto fenômenos sociais, são dispensados a um segundo plano.
    A segunda envolve equiparações entre os campos jurídico e musical a partir de metáforas que os aproximam. A autora considera esses esforços úteis para fins pedagógicos, mas delicados para adotar como caminhos enquanto linha de pesquisa, visto sua abertura praticamente ilimitada à imaginação do pesquisador. Ainda, esses estudos também dão pouca consideração a obras musicais de maneira mais concreta, o que os tornam de pouca contribuição ao caminho que ela pretende adotar.
    A terceira perspectiva foi resumida a apenas um trabalho identificado pela autora, que analisava a possibilidade de aplicação da categorias jurídicas à teoria musical e vice-versa. Embora inovadora, essa iniciativa também não aprofunda-se em obras musicais e seus aspectos sociais.
    A quarta aproxima-se da perspectiva de Oliveira, considerando representações musicais de valores vigentes em determinados períodos históricos como expressões de relações entre direito e sociedade. Essas pesquisas, sobretudo no Brasil são recentes e exploratórias e, na avaliação da autora ainda carecem de uma maior solidez teórica e metodológica, caminho esse a ser explorado nesse campo de estudos. Tomando como exemplo, posteriormente, trabalhos que tratam especificamente de "direito e rock", ela percebe que eles limitam-se à análise de letras musicais. A música, assim, é isolada enquanto poesia, ignorando-se questões como a trajetória do intérprete ou compositor, a melodia, o ritmo e outros aspectos relacionados à performance musical.
    A quinta perspectiva, por fim, envolve textos preocupados em criticar aproximações entre direito e música. No entanto, Oliveira percebe que eles atentam essencialmente à dogmática jurídica, isto é, à "operação do direito". As críticas dirigem-se a tentativas de incorporar a linguagem musical em peças processuais no sistema de justiça, e não às possibilidades de produção do conhecimento. Desse modo, tais críticas não dialogam com o escopo do livro.
    Diante dessas limitações, Oliveira parte de dois autores para assentar o desenvolvimento de seu trabalho. Como desenho teórico, ela centra-se nas contribuições de Douglas Kellner, que explora as relações entre mídia, ideologia e sociedade, localizando possíveis transposições para o estudo do direito enquanto fenômeno social. Como desenho metodológico, ela parte das contribuições do historiador Marcos Napolitano, que propõe estratégias de estudo de obras musicais como documentos, considerando os múltiplos elementos que envolvem sua composição e execução. A partir desses aportes, Oliveira analisa a obra de Raul Seixas, em busca de compreender as representações do direito feitas pelo cantor.

RAUL SEIXAS E O DIREITO

    No quarto capítulo, a autora parte para a análise da obra musical de Raul Seixas. Antes disso, no entanto, ela faz um resumo da biografia do músico, concentrando-se em suas relações com o ocultismo, sobretudo com as ideias de Aleister Crowley, e com o anarquismo, embora, em diversos momentos, Raul Seixas tenha demonstrado que seus pensamentos ideológicos são contingentes e particulares (além de várias entrevistas em que tratou do assunto, pode-se pensar em "Metamorfose ambulante" ou nos versos de "Raul Seixas na Cidade de Thor" que dizem "Eu que já passei por todas as religiões, filosofias políticas e lutas / Aos onze anos de idade, eu já desconfiava da verdade absoluta").
    Para seu estudo, Oliveira reuniu as letras de canções de Raul Seixas e buscou por palavras-chave diretamente relacionadas ao direito ("direito", "lei", "código", "advogado", "juiz" etc.). No entanto, ao analisar as obras, ela não ateve-se a sua letra, considerando aspectos como melodia, recepção do público, contexto da biografia do compositor, álbum de lançamento (conjunto de canções e capa). Considerando a obra do artista e o período histórico do Brasil, a exposição dos resultados foi dividida em músicas lançadas nos anos 1970 e 1980.
    Os anos 70 foram um período conturbado da Ditadura Militar no Brasil. Nesse momento, também, Raul Seixas encontrava-se mais próximo do ocultismo de Aleister Crowley: a "sociedade alternativa" era fortemente ligada à Lei de Thelema, que dizia "faz o que tu queres, que há de ser tudo da lei", e essa ética estava presente na musicografia do baiano. No período, foram encontradas menções a elementos associados ao direito em quatro canções: "Sociedade alternativa" (1974), "Novo Aeon"(1975), "Sapato 36"(1977) e "A ilha da fantasia" (1979).
    As duas primeiras músicas da lista estavam completamente inseridas na proposta de difundir a Lei de Thelema. Trata-se de uma representação do fenômeno jurídico, sem dúvidas, mas não do direito do Estado, e sim de um direito natural, metafísico. Em suas performances em palco de "Sociedade alternativa", Raul Seixas tinha como costume ler um pergaminho contendo o texto integral da lei, nas palavras de Crowley traduzidas para o português. Uma ordem espiritual das coisas assentadas na mais absoluta liberdade e respeito à individualidade. Esse direito natural pode ter sido evocado como saída à ordem jurídica da época, instituída pelo governo ditatorial.
    As duas últimas revelam um certo afastamento da Lei de Thelema, embora sua inspiração permaneça presente. Em "Sapato 36", Raul Seixas queixa-se tristemente de um pai que o faz calçar um sapato menor do que o seu pé, o que lhe provoca um sentimento de desconforto e opressão, uma alusão às relações que o compositor percebia entre Estado e sociedade. Em "Ilha da fantasia", ele conversa alegremente com um navegador que busca uma terra melhor, onde ele não precisaria viver "sob as leis que não criou". Aqui, mais uma vez, há uma crítica ao Estado e é traçado um horizonte de vida mais digna, baseada em um direito natural. Aqui, Oliveira percebe uma transição do direito natural defendido por Raul Seixas, afastando-se do ocultismo e aproximando-se do anarquismo, o que também é expresso em uma guinada de suas composições, do espiritual para o político.
    Essa tendência também foi observada nos anos 80, quando o Brasil estava no processo de abertura política. Nesse período, Oliveira identificou seis canções com alguma referência a elementos associados ao direito: "Anos 80" (1980), "Conversa pra boi dormir" (1980), "À beira do pantanal" (1980), "Quando acabar o maluco sou eu" (1987), "Cowboy fora da lei" (1987) e "A lei" (1988).
    As duas primeiras canções, de algum modo, revelam uma descrença do compositor em melhorias na ordem jurídica brasileira com a redemocratização: em "Anos 80", música cantada em velocidade tal que é difícil acompanhar a letra, há a referência a um juiz isolado da sociedade, alheio a suas necessidades; em "Conversa pra boi dormir", o eu-lírico diz possuir um direito, mas que está escondido, e faz referência a um jogo de "quente e frio", ao dizer "tá ficando quente". Aqui, ele refere-se à promessa de democracia, mas, ao mesmo tempo, ele não consegue encontrá-la, mesmo que esteja "ficando quente". As promessas de mudanças no direito estatal, assim, são percebidas com descrença, o que também pode revelar um pensamento corrente em parte da sociedade da época. Essa posição descrente está associada ao descrédito nos operadores do direito, o que também é revelado em "Quando acabar o maluco sou eu", no qual Raul Seixas descreve, com humor, um advogado que lhe diz que o governo, a polícia e a censura "são tudo gente fina". Em "Cowboy fora da lei", igualmente, estar "na lei" significaria concordar com ações e posturas das quais ele não partilhava; "entrar na lei" seria, portanto, um risco para alguém como ele.
    Em "À beira do pantanal", música melancólica que descreve um assassinato, é feita uma referência ao direito penal. Não é feito juízo de valor sobre esse ramo jurídico, mas ele é descrito como eficaz em condenar o culpado. Mesmo que não seja a intenção direta do compositor, assim, essa canção revela uma percepção de que o direito estatal funciona quando cumpre seu papel ostensivo e punitivo, na leitura da autora.
    Em "A lei", Raul Seixas retome referências à Lei de Thelema, mais uma vez enunciando expressamente frases de Aleister Crowley. No entanto, em contraste com "Sociedade alternativa", ele parece afastar essas noções do plano espiritual característico do ocultismo, dando-lhes um teor mais político. Aqui, Raul Seixas reforça o que pode ser entendido como um apanhado das representações do direito em sua obra: de um lado, há o direito do Estado, autoritário e cujo papel resume-se a tolher as liberdades individuais, só funcionando plenamente em seu braço punitivista; de outro, há um direito natural, pautado na liberdade e na individualidade, que poderia conduzir a sociedade a dias melhores.

CONCLUSÕES
    
    Em seu livro, a autora permite refletir sobre as possibilidades de estudar o direito, enquanto fenômeno social, a partir de obras musicais. O seu argumento centra-se na percepção de que a mídia, em especial a cultura pop, trava diálogos com a sociedade ou com determinados grupos. Nesse sentido, obras musicais podem ser tratadas como documentos que registram expectativas, percepções e representações de uma época. Nesse sentido, ela contribui não apenas com as possibilidades de pesquisa em "direito e música", mas também em outras áreas de interesse dos estudos sociojurídicos. Compreender relações subjetivas entre pessoas ou grupos com o direito é um objeto atual na área de sociologia do direito, e o livro abre caminhos para enriquecer esse debate a partir de novas fontes.

quinta-feira, agosto 12, 2021

Sociologia Digital

 


Será ministrada no semestre 2021.2, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN), a disciplina Sociologia Digital, como uma introdução a este campo de estudos. A disciplina discute qual o escopo deste campo, algumas teorias sociais e conceitos que envolvem o uso de tecnologias comunicacionais em rede e também vai procurar debater as mudanças tecnológicas e comunicacionais e as influências da cultura digital na reconfiguração das subjetividades e das relações sociais, além das possibilidades de pesquisa em um mundo online.

terça-feira, agosto 10, 2021

INTERTEXTUALIDADES - Revista Interdisciplinar de Humanidades

 


A Intertextualidades– Revista Interdisciplinar em Humanidades é uma publicação semestral, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH), com lançamentos para os meses de janeiro-julho e agosto-dezembro de cada ano.

A revista aceitará somente trabalhos inéditos sob a forma de artigos, entrevistas, traduções, resenhas e mesmo ensaios fotográficos, com exceção de dossiês e de autores convidados ou artigos que o Coordenador do Dossiê ou o Conselho Editorial achar importante publicar ou republicar.

Poderão apresentar trabalhos autores com a titulação mínima de mestrado ou alunos e professores de pós-graduação (mestrandos em parceria com professores e/ou orientadores).

Os artigos apresentados aos Editores serão submetidos a pareceristas anônimos conceituados para que emitam sua avaliação.

Os textos em língua estrangeira (Espanhol ou Inglês), quando aceitos pelos Editores e Conselho Editorial, serão publicados no original, podendo ser porventura traduzidos com a devida anuência dos autores.

O prazo para envio de trabalhos é 21 de novembro de 2021.

segunda-feira, julho 12, 2021

Escrita Sociológica

Do que trata este texto


Este texto é sobre  como escrever em sociologia. Antes de você ser capaz de escrever um artigo sociológico claro e coerente, precisa ter em mente as suposições e expectativas  da disciplina. Precisa conhecer seu público, e a forma como eles vêem o mundo e como ordenam e avaliam informações.  Então, vamos logo ver do que trata a sociologia e como se escreve.

O que é a sociologia e sobre o que os sociólogos escrevem?


A sociologia é algo novo para muitos estudantes. Portanto, pode ser útil dar uma rápida introdução sobre o que os sociólogos fazem. Os sociólogos estão interessados ​​em coisa do mundo social. Realizam estudos sobre a família, abordando questões como casamento, divórcio, criação de filhos e violência doméstica, as maneiras como essas coisas são definidas em diferentes culturas e épocas e seus efeitos sobre os indivíduos e as instituições. Podem examinar organizações sociais maiores, como empresas e governos, observando sua estrutura e hierarquias. Ainda podem se concentrar em movimentos sociais e protestos políticos, como os que aconteceram em 1983-1984 pela redemocratização no Brasil (Diretas Já), em 2013 pelo aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus em São Paulo ou movimentos que tratam de questões sobre a identidade, contra o racismo, movimento feminista ou pró-LGBTQA+. Os sociólogos procuram observar e refletir sobre as divisões e desigualdades dentro da sociedade, examinando fenômenos como raça, gênero e classe, e seus efeitos nas escolhas e oportunidades das pessoas. Porém, embora o âmbito de estudo da Sociologia seja muito amplo, não é o assunto que torna um artigo sociológico, mas sim a perspectiva utilizada para escrevê-lo.
Então, o que seria uma perspectiva ou um olhar sociológico? Básica e genericamente, a Sociologia é uma tentativa de compreender e explicar a maneira como os indivíduos e grupos interagem dentro de uma sociedade. Como exatamente alguém aborda esse objetivo? C. Wright Mills, em seu livro A Imaginação Sociológica (1959), escreve que "nem a vida de um indivíduo nem a história de uma sociedade podem ser compreendidas sem a compreensão de ambas". Por que? Bem, como o filósofo Karl Marx observava já no início de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852), os humanos "fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem em circunstâncias escolhidas por eles mesmos, mas sob circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas do passado. " Assim, um bom argumento sociológico precisa equilibrar a agência (ação) individual e as restrições estruturais. Essa é certamente uma tarefa difícil, mas é a base de todos os escritos sociológicos eficazes. Lembre-se disso ao pensar quando for escrever algo. 

Principais pressupostos e características da escrita sociológica


O que se deve ter em mente ao escrever em sociologia? Preste atenção especial aos seguintes problemas:

Argumento

A primeira coisa a lembrar ao escrever um argumento sociológico é ser o mais claro possível ao apresentar sua tese. Claro, isso vale também para os jornais, mas existem algumas armadilhas comuns à sociologia que você deve estar ciente e evitar a todo custo. Conforme dissemos anteriormente, a sociologia é o estudo da interação entre indivíduos e forças sociais maiores. Diferentes tradições dentro da sociologia tendem a favorecer um lado da equação em detrimento do outro, com algumas se concentrando na ação de atores individuais e outras em fatores estruturais. O perigo é que você vá longe demais em qualquer uma dessas direções e, assim, perca a complexidade do pensamento sociológico. Embora esse erro possa se manifestar de várias maneiras, três tipos de argumentos falhos são particularmente comuns: o "argumento individual", o "argumento da natureza humana" e o "argumento da sociedade".
  • O "argumento individual" (individualismo metodológico) geralmente assume esta forma: "O indivíduo é livre para fazer escolhas e quaisquer resultados podem ser explicados exclusivamente através do estudo de suas idéias e decisões." Embora seja verdade que todos nós fazemos nossas próprias escolhas, devemos também ter em mente que, parafraseando Marx, fazemos essas escolhas sob circunstâncias dadas a nós pelas estruturas da sociedade. Portanto, é importante investigar quais são as condições que tornaram essas escolhas possíveis em primeiro lugar, bem como o que permite que alguns indivíduos atuem com sucesso em suas escolhas, enquanto outros não.
  • O "argumento da natureza humana" busca explicar o comportamento social por meio de um argumento quase biológico sobre os humanos, e muitas vezes se constrói assim, por exemplo: "Os humanos são violentos por natureza, portanto não é surpreendente que fulano tenha batido em sua esposa." Embora os sociólogos discordem sobre a existência ou não de uma natureza humana universal, todos eles concordam que não é uma base de explicação aceitável. Em vez disso, a sociologia exige que você questione por que chamamos alguns comportamentos de natural e que examine os fatores sociais que construíram esse estado "natural".
  • O "argumento da sociedade" freqüentemente surge em resposta às críticas aos estilos de argumentação acima, e tende a aparecer deste modo: "A sociedade me obrigou a fazê-lo." ou "Todo político é corrupto". Os alunos muitas vezes pensam que este é um bom argumento sociológico, uma vez que usa a sociedade como base para a explicação. No entanto, o problema é que o uso do conceito amplo de "sociedade" mascara o funcionamento real da situação, tornando quase impossível construir uma argumentação forte. Este é um exemplo de reificação, que é quando transformamos processos em coisas. A sociedade é realmente um processo, feito de interações contínuas em vários níveis de tamanho e complexidade, e transformá-lo em uma coisa monolítica é perder toda essa complexidade. As pessoas tomam decisões e fazem escolhas. Alguns grupos e indivíduos se beneficiam, enquanto outros não. Identificar esses níveis intermediários é a base da análise sociológica.
Embora cada um desses três argumentos pareça bastante diferente, todos eles compartilham uma característica comum: eles assumem exatamente o que precisam explicar. São excelentes pontos de partida, mas conclusões ruins.

Evidências

Depois de desenvolver um argumento de trabalho, você precisará encontrar evidências para apoiar sua afirmação. O que conta como evidência em um artigo de sociologia? Em primeiro lugar, a sociologia é uma disciplina empírica. Empirismo em sociologia significa basear suas conclusões em evidências documentadas e coletadas com o máximo de rigor possível. Essa evidência geralmente se baseia em padrões observados e informações de casos e experiências coletados, não apenas de relatos anedóticos isolados. Só porque um familiar seu foi capaz de vencer a pobreza e tornou-se executivo de uma grande empresa, isto não prova que o sistema de classes brasileiro seja aberto. Você precisará de evidências mais sistemáticas para tornar sua afirmação convincente. Acima de tudo, lembre-se de que sua opinião por si só não é suficiente para um argumento sociológico. Mesmo que esteja apresentando um argumento teórico, você deve ser capaz de apontar exemplos documentados de fenômenos sociais que se encaixam em seu argumento. A lógica é necessária para fazer o argumento, mas não é um suporte suficiente por si só.
A evidência sociológica se divide em dois grupos principais: quantitativa e qualitativa.
  • Os dados quantitativos são baseados em pesquisas de sondagem, censos e estatísticas. Eles fornecem um grande número de dados, o que é particularmente útil para estudar processos sociais em grande escala, como desigualdades de renda, mudanças populacionais, mudanças em atitudes sociais, etc.
  • Já os dados qualitativos são resultado da observação, de entrevistas em profundidade, dos dados e dos textos, bem como das próprias impressões e reações do pesquisador. A pesquisa qualitativa oferece uma visão sobre a maneira como as pessoas ativamente constroem e encontram significado em seu mundo, porém informado também por reflexões teóricas e conhecimento científico acumulado sobre um determinado tema.
Os dados quantitativos produzem uma medida das características e do comportamento dos sujeitos, enquanto a pesquisa qualitativa gera informações sobre seus significados e práticas. Assim, os métodos que você escolher refletirão o tipo de evidência mais apropriado para as perguntas que você fizer (fique atento a isto!). Por exemplo, se você quiser examinar a importância da raça em uma organização, um estudo quantitativo pode usar informações sobre a porcentagem de diferentes raças na organização, quais posições elas ocupam, bem como resultados de pesquisas sobre as atitudes das pessoas em relação à raça. Isso mede a distribuição de raça e crenças raciais na organização. Um estudo qualitativo faria isso de forma diferente, talvez perambulando pelo escritório estudando as interações das pessoas ou fazendo entrevistas em profundidade com alguns dos assuntos. O pesquisador qualitativo veria como as pessoas agem de acordo com suas crenças e como essas crenças interagem com as crenças dos outros, bem como com as restrições da organização.
Infelizmente, grande parte da sociologia se dividiu em dois campos na maioria das vezes opostos por causa de questões metodológicas. Muitos tendem a favorecer exclusivamente os dados qualitativos em relação aos quantitativos, ou vice-versa, e é perfeitamente razoável confiar em apenas um método em seu próprio trabalho. No entanto, como cada método tem seus próprios pontos fortes e fracos, combinar métodos pode ser uma forma particularmente eficaz de reforçar seu argumento. Não se apresse em se limitar a apenas uma abordagem.
Essas distinções não são importantes apenas se você tiver que coletar seus próprios dados para o seu artigo, trabalho de conclusão de curso, dissertação ou tese. Você também precisa estar ciente deles, mesmo quando estiver contando com fontes secundárias para sua pesquisa. Para avaliar criticamente a pesquisa e os dados que está lendo, você deve ter um bom entendimento dos pontos fortes e fracos dos diferentes métodos. Por isso, mesmo considerando uma coisa chata, ler sobre as diversas metodologias e formas de coletar dados pode dar várias dimensões e possibilidades à pesquisa realizada.

Unidades de análise

Visto que a vida social é tão complexa, você precisa ter um ponto de entrada para estudar este mundo. No jargão sociológico, você precisa de uma unidade de análise. A unidade de análise é exatamente isso: é a unidade que você escolheu para analisar em seu estudo (um grupo, um movimento social, uma organização etc.). Novamente, esta é apenas uma questão de ênfase e foco, e não de precedência e importância. Você deve escolher a sua unidade de análise com base nos interesses e suposições teóricas que orientam sua pesquisa. Ela determinará muito do que se qualificará como evidência relevante em seu trabalho. Portanto, você não deve apenas identificar claramente essa unidade, mas também usá-la consistentemente em todo o seu trabalho.
Vejamos um exemplo para ver como a alteração das unidades de análise mudará a forma da pesquisa. Vamos supor que você quisesse estudar a globalização? Esse é um grande tópico, então você precisa focar sua atenção. Por onde você começaria?
Você pode se concentrar em atores humanos individuais, estudando a maneira como as pessoas são afetadas pelo mundo globalizado. Essa abordagem poderia incluir um estudo das experiências dos trabalhadores de montadoras de carros no Brasil, ou talvez como as decisões dos consumidores moldam o sistema geral (mas que tipo de consumidores? Que tipo de produtos?).
Ou você pode escolher se concentrar em estruturas ou organizações sociais. Essa abordagem pode envolver a análise das decisões que estão sendo tomadas em nível nacional ou estadual, como os acordos de livre comércio que mudam as relações entre governos e empresas. Ou você pode examinar as estruturas organizacionais das empresas de um determinado setor e medir como elas estão mudando sob a globalização. Outra abordagem estrutural seria focar nas redes sociais (não necessariamente digitais) que ligam os assuntos. Isso pode levar você a ver como os migrantes (entre países ou entre regiões) contam com contatos sociais para fazer o seu caminho para outros países, bem como para ajudá-los a encontrar trabalho quando chegam.
Finalmente, você pode querer escolher como unidade de análise objetos culturais ou artefatos sociais. Um bom exemplo seria observar a produção daqueles celulares de maior  preferência. Você pode olhar para a produção material do celular (rastreando-o desde suas origens exploradoras até sua chegada nos shoppings) ou sua produção cultural (tentando entender como a publicidade e as celebridades transformaram esses objetos em necessidades culturais ícones).
Qualquer que seja a unidade de análise que você escolher, tome cuidado para não cometer a temida falácia ecológica. Uma falácia ecológica é quando você assume que algo que aprendeu sobre o nível de análise do grupo também se aplica aos indivíduos que compõem esse grupo (lembre-se que não é porque você pertence a uma denominação religiosa, que vai concordar com tudo que o sacerdote diz ser verdade. Isso vale para partido político, empresas ou qualquer outro grupo social ou instituição). Portanto, para continuar o exemplo da globalização, se você fosse comparar seus efeitos sobre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos do país, você precisaria ter cuidado para não aplicar seus resultados aos indivíduos mais pobres e ricos. Recentemente verificamos este efeito no Brasil, durante o ano de 2020 (mesmo durante a pandemia de covid-1), demonstrado através da reportagem "Retomada da economia privilegia os ricos e aprofunda a desigualdade", da Rede Brasil Atual.
Esses são apenas exemplos gerais de como o estudo sociológico de um único tópico pode variar. Porque você pode abordar um assunto de várias perspectivas diferentes, é importante decidir desde o início como você planeja enfocar sua análise e, em seguida, manter essa perspectiva em todo o artigo. Evite misturar unidades de análise sem uma justificativa forte. Diferentes unidades de análise geralmente exigem diferentes tipos de evidências para construir seu argumento. Você pode reconciliar os vários níveis de análise, mas fazer isso pode exigir uma teoria complexa e sofisticada, uma proeza nada pequena dentro dos limites de um pequeno artigo. Verifique com seu orientador e/ou professor se você está preocupado com isso acontecendo em seu trabalho.

Típicas tarefas de redação  em sociologia


Então, como toda essa conversa se aplica a uma tarefa de redação real? As atribuições de redação de graduação, ou mesmo em um mestrado, em sociologia podem assumir várias formas, mas geralmente envolvem a revisão da literatura sociológica sobre um assunto; aplicar ou testar um determinado conceito, teoria ou perspectiva; ou a produção de um relatório de pesquisa em pequena escala, que geralmente envolve uma síntese da revisão da literatura e da aplicação/teste (o que chamamos de campo empírico).

A revisão crítica

A revisão envolve investigar as pesquisas que foram feitas sobre um determinado tópico e, em seguida, resumir e avaliar o que você encontrou. A tarefa importante neste tipo de atribuição é organizar o seu material de forma clara e sintetizá-lo para o seu leitor. Uma boa revisão não apenas resume a literatura, mas procura padrões e conexões na literatura e discute os pontos fortes e fracos do que outras pessoas escreveram sobre o seu tópico. Você quer ajudar seu leitor a ver como as informações que você reuniu se encaixam, quais informações podem ser mais confiáveis ​​(e porquê), quais implicações você pode perceber a partir delas e quais pesquisas adicionais podem ser necessárias para preencher as lacunas. Fazer isso requer considerável reflexão e organização de sua parte, bem como até mesmo tornar-se um especialista no assunto. Você precisa presumir que, embora seja novo no material, você pode julgar os méritos dos argumentos que leu e oferecer uma opinião informada sobre quais evidências são mais fortes e porquê.

Aplicação ou teste de uma teoria ou conceito

Esta tarefa pede que você aplique um conceito ou perspectiva teórica a um exemplo específico. Em outras palavras, neste momento é necessário testar sua compreensão prática de teorias e ideias, pedindo que você explique como elas se aplicam a fenômenos sociais reais. Para aplicar com sucesso uma teoria a um novo caso, você deve incluir as seguintes etapas:
  1. Primeiro, você precisa ter uma compreensão muito clara da própria teoria: não apenas o que o teórico/autor argumenta, mas também porque ele argumenta esse ponto e como o justifica. Ou seja, você tem que entender como o mundo funciona de acordo com essa teoria e como uma coisa leva a outra.
  2. Em seguida, escolha um estudo de caso apropriado. Esta é uma etapa crucial, que pode tornar o seu trabalho muito bom ou estragá-lo. Se você escolher um caso muito semelhante ao usado na construção da teoria em primeiro lugar, seu artigo será desinteressante como aplicação, pois não lhe dará a oportunidade de mostrar sua relevância teórica. Por outro lado, não escolha um caso que esteja tão fora do campo que torne a aplicabilidade apenas superficial e trivial. Em alguns aspectos, a aplicação da teoria é como fazer uma analogia. A última coisa que você quer é uma analogia fraca, ou que seja tão óbvia que não forneça nenhum insight adicional. Em vez disso, você vai querer escolher um meio-termo, um que não seja óbvio, mas que permita fazer uma análise mais desenvolvida do caso usando a teoria que você escolheu.
  3. Isso leva ao último ponto, que é a análise. Uma análise forte irá além da superfície e explorará os processos em ação, tanto na teoria quanto no caso que você escolheu. Assim como em uma analogia, você argumenta que duas coisas (a teoria e o exemplo) são semelhantes. Procure ser específico e detalhado ao dizer ao leitor como as duas coisas são semelhantes. No decorrer da busca por semelhanças, entretanto, é provável que você encontre pontos nos quais a teoria não parece se encaixar bem. Não varra essa descoberta para baixo do tapete, pois as diferenças podem ser tão importantes quanto as semelhanças, fornecendo uma visão sobre a aplicabilidade da teoria e a singularidade do caso que você está usando.
Você pode querer também testar uma teoria. Mesmo que em seu referencial teórico você assuma que a teoria que você está usando é verdadeira, a pesquisa empírica não faz necessariamente essa suposição, mas demanda que você experimente a teoria para determinar se ela funciona. Aqui você precisa pensar sobre quais condições iniciais informam a teoria e que tipo de hipótese ou previsão a teoria faria com base nessas condições. Essa é outra maneira de dizer que você precisa determinar a quais casos a teoria pode ser aplicada (veja acima) e que tipo de evidência seria necessária para confirmar ou refutar a hipótese da teoria.

Relatório de pesquisa

Finalmente, chegamos ao relatório de pesquisa. Embora a ideia de fazer um artigo de pesquisa possa ser intimidante, na verdade é pouco mais do que a combinação das muitas das partes dos trabalhos que já discutimos. Você começará com uma revisão crítica da literatura e usará esta revisão como base para formar sua pergunta de pesquisa. A pergunta freqüentemente tomará a forma de uma tarefa ("Essas idéias nos ajudarão a explicar Z.") ou de teste de hipóteses ("Se essas idéias estiverem corretas, devemos encontrar X quando investigarmos Y."). As habilidades que você já usou para escrever outros artigos irão ajudá-lo imensamente quando você for escrever seus relatórios de pesquisa.
Finalizamos assim este breve vislumbre do mundo da escrita sociológica. Os sociólogos podem ser um grupo idiossincrático, portanto, as diretrizes e expectativas do trabalho irão, sem dúvida, variar de classe para classe, de orientador para orientador. No entanto, essas diretrizes básicas o ajudarão a começar.

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Este post toma como base, com algumas modificações, um texto de The Writing Center da Universidade da Carolina do Norte (USA).

O papel das introduções

As Introduções e conclusões podem ser as partes mais difíceis de escrever nos trabalhos. Usualmente, quando você senta para fazer seu trabalho, tem pelo menos uma ideia do que quer dizer no corpo do texto. Já deve ter escolhido alguns exemplos que quer usar ou ter uma ideia que ajudará a responder a questão. Estas seções, entretanto, não são tão difíceis de escrever. Mas essas partes do meio do trabalho não podem apenas vir do nada, elas precisam ser introduzidas e concluídas de uma forma que faça sentido para o leitor.

Suas introdução e conclusão funcionam como pontes que transportam os leitores de suas próprias vidas até o "lugar" de sua análise. Se seus leitores têm acesso a um trabalho seu sobre educação na autobiografia de Frederick Douglass - que utilizaremos como exemplo neste post -, eles precisam de uma transição para auxiliá-los a deixar o cotidiano e as redes sociais digitais de lado e ajudá-los a entrar, temporariamente, no mundo escravocrata americano do século XIX (meio como assistir um filme). 

Ao fornecer uma introdução que ajude seus leitores a fazer essa transição entre seus próprios mundos e os temas sobre os quais escreve, você dá a eles as ferramentas que necessitam para entrar em seu tópico e se importarem com o que você está dizendo. De forma similar, uma vez que você conquistou seu leitor com uma introdução e lhe deu evidências para provar sua tese, sua conclusão pode ser uma ponte para ajudar os leitores a fazerem a transição de volta para suas vidas cotidianas.

Por que se importar em escrever uma boa introdução?

  1. Você não irá ter uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão.  O parágrafo de abertura de seu artigo fornecerá a seus leitores as impressões iniciais de seu argumento, seu estilo de redação e a qualidade geral de seu trabalho. Uma introdução vaga, desorganizada, cheia de erros, fora do comum ou enfadonha provavelmente criará uma impressão negativa. Por outro lado, uma introdução concisa, envolvente e bem escrita fará com que seus leitores tenham um alto conceito de você, de suas habilidades analíticas, de sua escrita e de seu artigo. Essa impressão é especialmente importante quando o público que você está tentando alcançar (no caso acadêmico, primeiramente seu orientador) está avaliando seu trabalho.
  2. Sua introdução é um mapa importante para o resto do seu trabalho.  Sua introdução transmite muitas informações aos seus leitores. Você pode dizer a eles qual é o seu tópico, por que é importante e como você planeja prosseguir com a discussão. Deve conter uma tese que afirmará seu argumento principal. Idealmente, também dará ao leitor uma ideia dos tipos de informação que você usará para apresentar esse argumento e a organização geral dos parágrafos e páginas que se seguirão. Depois de ler sua introdução, seus leitores não devem ter grandes surpresas ao lerem o corpo principal de seu artigo. É só aproveitar a viagem! 😉
  3. De forma ideal, sua introdução deve fazer com que os leitores tenham vontade de ler seu trabalho. A introdução deve captar o interesse dos leitores, fazendo-os querer ler o resto do seu trabalho. A abertura com uma história convincente, uma citação fascinante (não exatamente no primeiro parágrafo), uma pergunta interessante ou um exemplo estimulante pode fazer seus leitores verem porque o assunto é importante e servir como um convite para que eles se juntem a você em uma conversa intelectual interessante.

Estratégias para escrever uma introdução eficiente

  • Comece por pensar em uma questão ou pergunta a ser respondida. Continuando o exemplo, podemos pensar em um ensaio que terá uma resposta a perguntas atribuídas previamente, e a introdução é o primeiro passo para esse fim. Sua resposta direta à pergunta atribuída será sua tese e ela será incluída em sua introdução. Portanto, é uma boa ideia usar uma pergunta como um ponto de partida. Imagine que recebemos a seguinte pergunta:
A educação há muito é considerada uma grande força para a mudança social americana, corrigindo os erros de nossa sociedade. Com base na narrativa da vida de Frederick Douglass, discutiremos a relação entre educação e escravidão na América do século XIX. Considerem o seguinte: Como o controle da educação pelos brancos reforçou a escravidão? Como Douglass e outros escravos afro-americanos viam a educação enquanto suportavam a escravidão? E qual foi o papel da educação na aquisição da liberdade? Mais importante ainda, considere o grau em que a educação foi ou não uma grande força para a mudança social no que diz respeito à escravidão.
  • Inicialmente podemos nos referir à educação e sua relação com a escravidão, a qual provavelmente será mais desenvolvida durante o ensaio completo. Esta questão também pode lhe dar algumas dicas sobre como abordar a introdução. Podemos observar que a pergunta começa com uma declaração ampla de que a educação tem sido considerada uma grande força para a mudança social, e então se estreita para enfocar questões específicas do livro de Douglass. Uma estratégia pode ser usar um modelo semelhante em sua própria introdução como uma forma de despertar o interesse do leitor e, em seguida, concentrar-se nos detalhes de sua discussão sobre o livro. É claro que uma abordagem diferente também pode ser muito bem-sucedida, mas olhar para a maneira como um hipotético professor formulou a pergunta às vezes pode lhe dar algumas ideias de como você pode respondê-la. Lembre-se, porém, de que mesmo uma abertura de "visão geral" precisa estar claramente relacionada ao seu tópico; uma frase inicial que dissesse "Os seres humanos, mais do que quaisquer outras criaturas na terra, são capazes de aprender" seria ampla demais.
  • Tente escrever a introdução por último. Você pode pensar que precisa escrever sua introdução primeiro, mas isso não é necessariamente verdade e nem sempre é a maneira mais eficaz de elaborar uma boa introdução. Você pode descobrir que não sabe o que vai argumentar no início do processo de redação, e somente por meio da experiência de redigir seu artigo/dissertação é que você descobre seu argumento principal. É perfeitamente normal começar pensando que você deseja discutir um ponto específico, mas acabará argumentando algo um pouco ou até mesmo dramaticamente diferente quando tiver escrito a maior parte do texto. O processo de redação pode ser uma maneira importante de organizar suas ideias, refletir sobre questões complicadas, refinar seus pensamentos e desenvolver um argumento mais sofisticado. No entanto, uma introdução escrita no início desse processo de descoberta não refletirá necessariamente o que você concluirá no final. Você precisará revisar seu artigo para ter certeza de que a introdução, todas as evidências e a conclusão refletem o argumento que você pretende. Às vezes ajuda redigir todas as suas evidências primeiro e, só em seguida, escrever a introdução - dessa forma, você pode ter certeza de que a introdução corresponde ao corpo do texto.
  • Não tenha medo de escrever uma introdução "temporária" primeiro e depois mudá-la. Algumas pessoas acham que precisam escrever algum tipo de introdução para iniciar o processo de escrita. Tudo bem, mas se você é uma dessas pessoas, certifique-se de retornar à sua introdução inicial mais tarde e reescrever se necessário (quase sempre é preciso).
  • Abra com algo que chame a atenção. Às vezes, especialmente se o tópico do seu trabalho for um tanto seco ou técnico, começar com algo atraente pode ajudar. Considere estas opções:
    1. um exemplo intrigante (por exemplo, a amante que inicialmente ensina Douglass, mas depois cessa sua instrução conforme aprende mais sobre a escravidão) ou uma citação provocativa, preferencialmente não literal (Douglass escreve que "educação e escravidão eram incompatíveis uma com a outra");
    2. um cenário intrigante (Douglass diz dos escravos que "[nada] foi deixado de fazer para aleijar seus intelectos, escurecer suas mentes, rebaixar sua natureza moral, obliterar todos os vestígios de seu relacionamento com a humanidade; e ainda assim, quão maravilhosamente eles têm sustentado a poderosa carga de uma escravidão terrível, sob a qual eles têm chorado por séculos!" Douglass afirma claramente que os proprietários de escravos fizeram um grande esforço para destruir as capacidades mentais dos escravos, mas sua própria história de vida prova que esses esforços poderiam ter sido malsucedidos.)
    3. uma história ou caso vívidos e talvez inesperados que ilustre o que quer discutir;
    4. uma pergunta instigante (dadas todas as liberdades que foram negadas aos indivíduos escravizados no sul dos Estados Unidos, por que Frederick Douglass concentra suas atenções tão diretamente na educação e na alfabetização?)
  • Preste especial atenção a sua primeira frase. Comece com o pé direito com os seus leitores, certificando-se de que a primeira frase realmente diz algo útil e que o faz de uma forma interessante e sem erros.
  • Seja direto e confiante. Evite afirmações como "Neste artigo, argumentarei que Frederick Douglass valorizava a educação" (muitas vezes fazemos isso, mas seria mais interessante evitar). Embora a frase aponte para seu argumento principal, não é especialmente interessante. Pode ser mais eficaz dizer o que você quer dizer em uma frase declarativa. É muito mais convincente nos dizer que "Frederick Douglass valorizava a educação" do que dizer que você vai dizer que sim. Afirme seu argumento principal com confiança. Afinal, você não pode esperar que seu leitor acredite se não soar como se você também acreditasse!


Como avaliar o rascunho de sua introdução


Peça a um amigo (sincero e franco 😇) que leia e diga o que ele espera que o artigo discuta, que tipo de evidência o artigo usará e qual será o tom do artigo. Se o seu amigo for capaz de prever o resto do seu artigo com precisão, você provavelmente tem uma boa introdução.

Cinco tipos de introduções pouco eficientes


1. Uma introdução que marque posição. Quando você não tem muito a dizer sobre um determinado tópico, é fácil criar esse tipo de introdução. Essencialmente, esse tipo de introdução, que é mais fraca, contém várias frases que são vagas e realmente não dizem muito. Eles existem apenas para ocupar o "espaço da introdução" em seu trabalho. Se você tivesse algo mais eficaz a dizer, provavelmente o diria, mas, por enquanto, este parágrafo é apenas um marcador.
Exemplo: A escravidão foi uma das maiores tragédias da história americana. Havia muitos aspectos diferentes da escravidão. Cada um criou diferentes tipos de problemas para pessoas escravizadas.
2. A introdução da pergunta reafirmada. Reafirmar a pergunta pode ser uma estratégia eficaz, mas pode ser fácil parar em apenas reafirmar a pergunta, em vez de oferecer uma introdução mais eficaz e interessante para o seu trabalho. Tente fazer algo mais interessante.
Exemplo: De fato, a educação há muito é considerada uma grande força para a mudança social americana, corrigindo os erros de nossa sociedade. A narrativa da vida de Frederick Douglass discute a relação entre educação e escravidão na América do século 19, mostrando como o controle branco da educação reforçou a escravidão e como Douglass e outros escravos afro-americanos viam a educação enquanto lutavam pela sobrevivência. Além disso, o livro discute o papel que a educação desempenhou na aquisição da liberdade. A educação foi uma grande força para a mudança social no que diz respeito à escravidão.
3. A introdução de dicionário. Esta introdução começa dando a definição do dicionário de uma ou mais palavras na pergunta atribuída (Oh Meu Deus!!! 😩). Esta estratégia de introdução está no caminho certo - se você escrever uma delas, pode estar tentando estabelecer os termos importantes da discussão, e este movimento constrói uma ponte para o leitor, oferecendo uma definição comum e de senso comum para uma ideia-chave. Você também pode estar procurando uma autoridade que dê credibilidade ao que escreve. No entanto, qualquer pessoa pode procurar uma palavra no dicionário e copiar o que ele diz - pode ser muito mais interessante para você (e seu leitor) se você desenvolver sua própria definição do termo no contexto específico de tarefa. No caso de um trabalho científico, existem autores que definem os fenômenos discutido. Ao mesmo tempo, temos que reconhecer que o dicionário não é um trabalho particularmente confiável, no sentido de ser mais uma ferramenta para o senso comum e para leigos. Procurar autores (cientistas sociais, historiadores, filósofos etc.) que discutam e ofereçam uma leitura original e informada é bem melhor.

4. A introdução tipo "decadência da humanidade". Esse tipo de introdução geralmente faz declarações amplas e abrangentes sobre a relevância desse tópico desde o início dos tempos. Geralmente é muito geral e não se conecta a tese. Você pode escrever esse tipo de introdução quando não tem muito a dizer - e é exatamente por isso que é ineficaz.
Exemplo: A escravidão tem sido um problema desde o surgimento do homem. 
5. A introdução de resenha. Este tipo de introdução é o que se faz para as resenhas de leitura. Fornece o nome e o autor do livro sobre o qual você está escrevendo, informa sobre o que o livro trata e oferece outros fatos básicos sobre o livro. Você pode recorrer a esse tipo de introdução quando estiver tentando preencher o espaço, porque é um formato familiar e confortável. É ineficaz porque oferece detalhes que o seu leitor já conhece e que são irrelevantes para a tese.
Exemplo: Frederick Douglass escreveu sua autobiografia, Narrativa da vida de Frederick Douglass, um Escravo Americano, na década de 1840. Foi publicado em 1986 pela Penguin Books. Ele conta a história de sua vida.

Trabalhos citados

Este post foi baseado, com algumas modificações, em The Writing Center da Universidade da Carolina do Norte (USA).
As citações são traduções livres a partir do livro Frederick Douglass, Narrative of the Life of Frederick Douglass, An American Slave, edited and with introduction by Houston A. Baker, Jr., New York: Penguin Books, 1986. (Edição em português: Narrativa da vida de Frederick Douglass: e outros textos. São Paulo: Penguin, 2021).