"Ex libris" significa "dos livros de", é também uma vinheta que se cola nos livros com o nome do proprietário. O BITS, Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e Práticas Sociais, é a vinheta sob a qual discutimos interesses diversos ligados às Ciências Humanas e realizamos nossas leituras sobre o mundo atual. Reforçamos aqui este caráter de buscador de conhecimentos, de reflexões sobre o mundo e a vida nessa sociedade digital.

sexta-feira, março 05, 2010

O mal–estar na civilização

FREUD, Sigmund. O mal-estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997

Neste texto Freud começa por tratar de uma questão posta por um amigo que é a do “sentimento oceânico”, uma sensação de eternidade, de algo ilimitado e sem fronteiras. Ele passa a discutir a validade do sentimento religioso (p. 131).
“Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos” (p. 132).
Freud diz que com esse sentimento denominado “oceânico” se quer falar sobre o sentimento de um vínculo indissolúvel, de unidade com o mundo externo, mas não acha que se trate de um sentimento de natureza primária, um sentimento imediato.
Existe uma coisa de que podemos estar certos, segundo Freud, é o de nosso eu, nosso ego (p.132). Exteriormente, o ego parece ser claramente delimitado, mas no enamoramento e em alguns estados patológicos a fronteira entre o ego e o mundo externo se torna incerta. Desse modo, o sentimento de nosso próprio ego pode sofrer distúrbios e suas fronteiras não são permanentes.

Uma epistemologia de Georges Canguilhem

MACHADO, Roberto. Ciencia e Saber: a trajetória da arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.

Um trecho do livro que fala sobre Canguilhem.

[...]

A história epistemológica de Georges Canguilhem


A filosofia de Canguilhem é uma epistemologia, no sentido de uma consciência crítica dos métodos atuais de saber adequado a seu objeto. É também “uma investigação sobre os procedimentos de produção do conhecimento científico; é uma elucidação das démarches características da ciência; é uma avaliação da racionalidade científica; em suma, é uma análise da cientificidade” <17>.
Ele defende uma epistemologia regional, i.é, “não aceita ou postula a existência de critérios universais de racionalidade ou de cientificidade; procura explicitar os fundamentos de um setor particular do saber científico”. Nesse sentido, se assemelha a Bachelard.
Seu projeto de epistemologia se constrói através de uma reflexão histórica sobre as ciências. Tanto em Canguilhem, quanto em Bachelard, a filosofia se caracteriza por ser uma epistemologia histórica e também uma história epistemologia histórica .

REFLEXÕES SOBRE AS CAUSAS DA LIBERDADE E DA OPRESSÃO SOCIAL

Este não é um fichamento. É o texto original, pois o livro já está esgotado, de Simone Weil, “Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão”, in A Condição Operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp. 235-307.

[...]
“No que diz respeito ás coisas humanas, não rir, não chorar, não se indignar, mas compreender”. - ESPINOSA
“0 ser dotado de razão pode fazer de qualquer obstáculo uma matéria de seu trabalho e tirar partido dele.” - MARCO AURËLIO

O período atual é daqueles em que tudo o que normalmente parece constituir uma razão de viver, se desvanece; em que devemos, sob pena de afundarmos no desnorteamento ou na inconsciência, questionar tudo. O triunfo dos movimentos autoritários e nacionalistas arruína um pouco por toda a parte a esperança que a gente honesta tinha depositado na democracia e no pacifismo, isso é só uma parte do mal que nos acabrunha; ele é bem mais profundo e extenso. Podemos perguntar-nos se existe um canto da vida pública ou privada onde as próprias fontes da atividade e da esperança não estejam envenenadas pelas condições em que vivemos, O trabalho não é mais realizado com a consciência orgulhosa de ser útil, mas com o sentimento humilhante e angustiante de se possuir um privilégio concedido por um favor passageiro da sorte, um privilé-[fim da p.235]gio do qual excluímos vários seres humanos porque o desfrutamos, em resumo: um lugar. Os próprios chefes de empresa perderam aquela crença ingênua num progresso econômico ilimitado que lhes dava a ilusão de terem uma missão. O progresso técnico parece ter ido à falência, porque em vez do bem-estar só trouxe às massas essa miséria física e moral onde as vemos se debater; além disso, as inovações técnicas não entram em mais nenhum lugar, ou quase, a não ser nas indústrias de guerra. Quanto ao progresso científico, não se entende para que serve empilhar ainda mais conhecimentos sobre um acúmulo já tão excessivo, que nem o pensamento dos especialistas pode abarcar; e a experiência mostra que nossos avós se enganaram acreditando na difusão das luzes, já que só podemos divulgar para as massas uma miserável caricatura da cultura científica moderna, caricatura que, em vez de formar o pensamento, as acostuma à credulidade. A própria arte sofre o golpe do desnorteamento geral, que, em parte, a priva de seu público, o que detém a inspiração. Finalmente a vida familiar é toda ansiedade desde o momento em que a sociedade se fechou para os jovens. Essa geração para a qual a espera febril do futuro é a vida integral, vegeta no mundo inteiro com a consciência de não ter nenhum futuro. Mal este que, de mais a mais, se é mais agudo para os jovens, é comum para toda a humanidade de hoje. Vivemos uma época privada de futuro. A espera do que virá não é mais esperança, mas angustia.

quinta-feira, março 04, 2010

Civilisation x Kultur - Introdução de O Processo Civilizador de Elias

• França – burgueses assumiram costumes e tradições aristocráticos.
• Burguesia francesa e classes médias foram absorvidas pelo círculo da corte.
• Alemãs de classe média identificaram os costumes corteses franceses como o próprio caráter nacional francês e julgaram esse comportamento como de segunda classe e incompatível com sua própria “estrutura afetiva”. (p.52)
• Paradoxo político – França, funcionalismo público era ocupado pelos burgueses, isso ajudou a quebrar a força da nobreza neste país. Na Alemanha eram ocupados por aristocratas. Aqui, a burguesia não tinha um poder econômico tão forte quanto na França e havia uma maior separação entre classe média e aristocracia de corte. (p.53)
• Conceito francês de Civilisation – opiniões cultas a respeito do que seria civilização “suavização de maneiras, urbanidade, polidez e difusão do conhecimento de tal modo que inclua o decoro no lugar de leis detalhadas” [semelhança com o que se dizia na Alemanha com os costumes da corte]. Vinculação do homem civilizado ao homem da corte. (p.54)
• “Polidez” e “civilidade” teriam praticamente a mesma função da noção de civilização: “expressar a auto imagem da classe alta européia em comparação com outros, que seus membros consideravam mais simples ou mais primitivos, e ao mesmo tempo caracterizar o tipo específico de comportamento através do qual essa classe se sentia diferente de todos aqueles que julgava mais simples e mais primitivos.” (p.54).
• A crítica dos fisiocratas, porém, da noção francesa de civilização e moderada, não tendo tanta ressonância na ordem dominante dos valores e permanece dentro do contexto do sistema social vigente – é a crítica de um reformador. Os intelectuais da corte francesa desejam melhorar, modificar, adaptar. (p.55)

A sociologia moral de Luc Boltanski

BLIC, Damien de. (2000). La sociologia politique et morale de Luc Boltanski. Toulouse, Raison politique, n. 3, p.149-158.

De Blic (2000) discutindo os trabalhos de Boltanski …

O primeiro objeto mais amplo sobre o qual ele vai sistematicamente por à prova esta preocupação é, classicamente, a sociologia de um grupo social: les cadres (os quadros). Ao se ater a uma sociologia dos quadros, o pesquisador é submetido a uma tensão: como levar em conta esta categoria sem naturalizá-la? Como escapar à tentação de hipostasiar tudo enquanto se mede a pregnância social desta figura: ‘de que ciência autônoma se pode se valer da autoridade para contestar a realidade de um princípio de identidade ao qual os agentes sociais concedem sua fé?” se pergunta Boltanski na introdução de seu trabalho. A questão se dirige então para a história da categoria, como testemunhando o título de seu trabalho (a formação de um grupo social), e deve remontar até os anos 1930, época na qual emergem em certos atores a preocupação de promover um movimento das classes médias destinado a romper tanto com a ordem social binária própria ao capitalismo quanto com as reivindicações do mundo do trabalho. O autor mostra então, como, no pré-guerra, a categoria se inscreveu duravelmente no mundo social se apoiando ao mesmo tempo em dispositivos técnicos (representações estatísticas, sistema de fundos de pensão…) e sobre a colocação de esquemas cognitivos. Resulta de certa exploração histórica que o trabalho de construção da categoria ‘quadros’ pode bem ser definida como um trabalho político do qual se pode seguir o desenvolvimento histórico, ligado a certas mobilizações, e que repousa sobre a ação de atores identificáveis (sindicatos de classes médias, portadores da modernização econômica…). É, a partir de agora, uma sociologia da ação política que se coloca e os quadros mostram como esta ação repousa largamente sobre uma capacidade dos atores para universalisar as propriedades locais.
A freqüência deste terreno vem trazer, ao mesmo tempo, vencer estas distâncias com uma sociologia que não lhe permite considerar as pretensões de justiça dos atores (suas formas de denúncia das injustiças pelas quais eles se consideram vítimas) que ele reencontra, nem da capacidade que eles têm de se abstraírem de seus casos particulares para chegar a formas gerais (das quais a categoria “quadros” é um exemplo). Para compreender estas competências de generalização, se impõe a necessidade de constituir sistematicamente uma sociologia da “forma [fim da p. 150] caso”, forma que se pode definir numa primeira aproximação como uma disputa no curso da qual os protagonistas “se dedicam a um intenso trabalho interpretativo e argumentativo, se opõem a um conflito de argumentação” e onde “cada parte procura mobilizar o maior número de recursos em seu favor”. Repousando sobre a questão dos “casos”, o sociólogo pode, de uma forma privilegiada, examinar as operações de generalização que estão sendo feitas (DE BLIC, 2000).